Da obrigação de alimentar os escravos no Brasil colonial

Autores

Palavras-chave:

Escravidão, Brasil colonial, Alimentação, Moral, Economia.

Resumo

Para se servirem dos braços escravizados dentro do que se compreendia, então, como justo, aos senhores concorria uma série de deveres. Entre os recorrentemente elencados como essenciais e irrefutáveis, três saltam aos olhos: vesti-los adequadamente, castigá-los com justiça, e alimentar-lhes os corpos. Aqui, pois, tomando o último desses aspectos, a alimentação, procuraremos apresentar os argumentos que fundamentavam a obrigatoriedade legal e moral de o senhor fornecer, de forma adequada, mantimento em suficiente quantidade e de suficiente qualidade para a escravaria. A partir, sobretudo, das impressões registradas por padres, administradores, moralistas e viajantes que estiveram ou se fixaram no Brasil setecentista, o objetivo deste breve estudo é, mais do que tratar dos ingredientes que compunham a ração dos cativos, discutir as justificações que respaldavam a assertiva de que alimentar o corpo do escravo era dever inescusável do senhor

Biografia do Autor

Ana Carolina de Carvalho Viotti, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Fundação Oswaldo Cruz (COC/FIOCRUZ)

Doutora em História Universidade Estadual Paulista (Unesp, campus de Franca), Franca – SP, Brasil. Historiógrafa do Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa Histórica (Cedaph/Unesp) , Franca – SP, Brasil, e pós-doutoranda em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), Rio de Janeiro- RJ, Brasil

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Publicado

2019-04-01