Rafael Cardoso Sampaio

 

Depois de nove anos, os professores das universidades e institutos federais decidiram entrar em greve hoje, dia 15 de abril, juntando-se aos colegas técnicos que já estão em greve há cerca de um mês. Em notícias sobre a greve em redes sociais ou nos jornais online, os comentários de leitores geralmente se assentam em duas questões. Primeiro, professores já ganham bem melhor que a média brasileira e estariam reclamando de “barriga cheia”. Segundo, a categoria não entrou em greve durante o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro. Este último é remodelado pelas pessoas de esquerda sobre o perigo de se fazer uma greve contra o governo Lula, municiando a extrema direita com argumentos e tornando sua complicada tarefa de dirigir o país ainda mais difícil. Logo, é justa a greve?

Esses mesmos comentadores sempre parecem muito menos dispostos a criticar salários de auditores fiscais, juízes, desembargadores, diplomatas, médicos e afins. Geralmente, criticam-se os supersalários, mas não a importância desses cargos serem bem remunerados. Ora, então a primeira questão está mais relacionada na verdade a quanto valorizamos nossos professores e ao quanto achamos que o desenvolvimento da ciência é parte fundamental para o desenvolvimento de um projeto sério e contínuo de nação, no qual o Brasil pode deixar de ser apenas um exportador de commodities e importador de tecnologias. O desejo do governo do país de se tornar um líder mundial do sul global em questões como inovação, combate às mudanças climáticas, regulação e produção de tecnologias digitais, e realmente se tornar uma potência do sul global passa inevitavelmente por maior investimento na ciência e nos cientistas.

O segundo argumento também precisa ser repensado. De fato, a greve dos professores em 2015, durante a crise do governo Dilma foi equivocada por várias razões. O contexto, apesar de adverso, é bastante diferente. Lula não enfrenta a ameaça de um processo de impeachment e o Brasil não se encontra em crise econômica. Pelo contrário. A arrecadação federal cresceu de forma significativa e a economia há mais de um ano cresce acima das metas, enquanto a inflação cai aos poucos. 

Então, resiste a questão da falta de greves no governo anterior e o fato da extrema-direita continuar atacando o governo e pautas progressistas, além do contexto de termos um congresso bastante adversarial ao governo e a essas pautas. Bem, assim como podemos admitir que a greve em 2015 foi errada, também podemos assumir que não fazer greve durante o governo Bolsonaro foi a melhor decisão possível. Naquele contexto sim, a extrema-direita aproveitaria qualquer movimento para intensificar os ataques às universidades públicas e à ciência, intensificado pelos discursos negacionistas na pandemia de covid 19. Estariam formadas as condições perfeitas para ampliação do sucateamento ainda maior do ensino superior e consequente agenda de privatização. Além disso, estávamos sujeitos a um acordo de reajuste entre 2016 e 2019. Além disso, não fazia sentido parar em meio à pandemia em 2020. Portanto, não houve “medo” pelos professores, mas sim bastante resistência nas diversas instituições e órgãos federais ligados a ensino e pesquisa para tentar impedir o desmonte total de nosso sistema brasileiro de produção de conhecimento.

Abandonar as diferentes lutas sociais por medo da extrema-direita, “é um discurso cujo horizonte é entregar o governo à direita, sem disputa, e conduzi-lo à derrota, por ser incapaz de promover as políticas necessárias para a reconstrução do Brasil”, como bem definido pelo professor Luis Felipe Miguel da UnB, o mesmo que foi duramente perseguido por afirmar que Dilma sofreu um golpe de stado. Ele conclui de maneira muito sensata: “Somos – tenho certeza – suficientemente maduros para lutar por nossos direitos sem descuidar da luta pela democracia”.

Apesar de não ideal, a situação agora permite que tal movimento aconteça. O próprio Lula já disse em repetidas situações que recursos destinados à educação não são gastos, mas investimentos. Então, é preciso sair do discurso para a prática. Se Haddad, professor da USP e ex-ministro da Educação, ainda não entendeu que o caos social não foi gerado “pelos 20 centavos”, é preciso que o governo tenha uma visão menos curto-prazista do que um déficit zero em 2024.

O investimento no ensino superior e na ciência são pedras fundamentais para qualquer projeto de país. Para além da recomposição salarial, afinal nosso poder de compra caiu 40% nos últimos anos, a greve também está diretamente relacionada a melhores circunstâncias para produção de conhecimento e de avanços científicos. Nossas condições pioraram e muito na última década, a infraestrutura das federais piora gradualmente, os financiamentos para a ciência são muito aquém do necessário, os valores de salários de professores e de valores de bolsas de pesquisa são fortes impedimentos para a atração das mentes mais brilhantes para a pesquisa científica. E, assim como precisamos de bons burocratas no governo federal, o mesmo é verdadeiro para as instituições de ensino superior.

Portanto, se a educação e a ciência são realmente essenciais para o país e para nosso projeto futuro de nação, a greve de técnicos e docentes é justa. E, se é verdadeiramente uma prioridade para o governo Lula, o discurso tecnocrático curto-prazista do déficit zero precisa ser derrotado. 

*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

Sobre o autor:

Rafael Cardoso Sampaio, após quase 10 anos de atuação, ainda é professor adjunto III do Departamento de Ciência Política da UFPR