Pedro Cavalcante

 

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são compromissos estabelecidos pelos 193 membros da ONU, em 2015, voltados ao alcance do progresso internacional em diversas áreas, tais como saúde, educação, redução da desigualdade, crescimento econômico, mitigação das alterações climáticas e preservação ambiental. Trata-se de uma evolução de esforços internacionais anteriores, como os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que dominam as atenções da governança global, dos setores público e privado, especialmente em meio aos enormes desafios contemporâneos como a transformação digital, a sustentabilidade e a inclusão. Faltando apenas sete anos para alcançar as metas estabelecidas pela Agenda 2030, o desempenho dos países e as perspectivas estão bem longe do desejado. Logo, a questão que se coloca é: os ODS consistem em uma importante ‘missão’ (oriented-based mission), apenas falácia ou pura utopia?

Após oito anos de implementação, o cenário geral é bastante preocupante, na medida em que a grande maioria dos países não atingiu nenhum dos dezessete objetivos preconizados pela iniciativa. Com base numa avaliação das metas dos ODS com dados de tendências, apenas 15% foram alcançadas ou estão na direção certa, 48% tiveram nenhum ou limitados progressos, com sérios desafios de consecução até 2030, enquanto 18% registaram retrocesso[1]. Os estudos indicam ainda que a assimetria entre os países ainda é persistente, isto é, as nações já desenvolvidas avançam cada vez mais na qualidade de padrões de vida de seus cidadãos, com níveis mais baixos de desigualdades e ambientes mais verdes e seguros, enquanto as demais evoluem menos, a despeito de possuírem problemas mais graves. Para piorar, sem alterações significativas, a projeção é que essas disparidades entre as economias desenvolvidas e as em desenvolvimento continuem aumentando em comparação ao início da agenda dos ODS em 2015.

Nesse contexto, as atenções têm se voltado para o financiamento dos Objetivos, uma vez que as transformações almejadas naturalmente requerem um conjunto amplo de políticas públicas estruturais. O modelo vigente replica as características empregadas também nos ODMs preconizando, além dos gastos governamentais, a canalização de investimentos de outros parceiros, incluindo Bancos Nacionais de Desenvolvimento, Bancos Multilaterais de Desenvolvimento e empresas privadas, principalmente incentivados pela agenda Ambiental, Social e de Governança (ASG). Não obstante, essa arquitetura financeira global tem se revelado insuficiente para mobilizar o financiamento estável, de longo prazo e em grande escala para enfrentar a crise climática e concretizar as metas dos ODS, uma vez que a estimativa é que faltam aproximadamente 2,5 trilhões de dólares que deveriam ser anualmente investidos, sobretudo, nas nações emergentes[2].

Para enfrentar as lacunas, ineficiências e desigualdades, causadas principalmente pela grande concentração dos recursos globais nas economias avançadas, uma série de recomendações vem sendo apresentada por especialistas e organismos multilaterais no sentido de ampliar e reformar esse modelo de financiamento[3]. Dentre elas, a proposta de aplicar a abordagem “orientada para a missão” para mobilizar os agentes econômicos na maximização dos investimentos dos ODS, tornando-os mais tolerantes ao risco no longo prazo[4]. Todavia, a despeito do correto diagnóstico e do caráter ambicioso e inovador dessas recomendações, elas continuam no âmbito do discurso, haja vista que nenhuma delas tem sido adotada e nem mesmo levada a sério pelos governos ou pelo sistema financeiro internacional.

Se não há sinais de avanços com base na perspectiva 'solidária' de agentes econômicos ou nessas medidas paliativas, como explicar alguns casos de sucesso nos ODS? A resposta parece indicar para o que os desenvolvimentistas econômicos[5] defendem há décadas. Ou seja, em vez de atacar os sintomas dos problemas, a alternativa viável é enfrentar as suas causas a partir de um esforço concertado na reestruturação do setor produtivo, enfatizando inovação e complexidade econômica como objetivos finais. A título de ilustração, quando comparamos as trajetórias das nações nos rankings dos índices de complexidade econômica (ICE)[6] e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a correlação é de cerca de 65%. Em outras palavras, à medida que a capacidade produtiva e as exportações de um país se tornam mais diversificadas e generalizadas, mais próximo ele fica de alcançar a consecução das metas dos ODS.

Essa alternativa de estratégia de desenvolvimento também pode ser testada na comparação entre casos extremos, por exemplo, entre nações da América Latina, que vêm experimentando um processo de desindustrialização prematuro, e da Ásia Central/Leste, que estão no sentido oposto de industrialização robusta, transformação tecnológica e diversificação econômica[7]. O gráfico a seguir ilustra os desempenhos de quatro nações por cada região nos dois rankings. Como esperado, os latino-americanos apresentam declínios expressivos nos rankings do ICE e do ODS, enquanto os asiáticos superam bem a média em ambas as métricas. Portanto, esses dados reforçam o argumento de que sem mudança da estrutura produtiva o caminho para o efetivo desenvolvimento sustentável e inclusivo de um país fica cada vez mais distante.

Gráfico – Evolução das classificações ICE e ODS

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Fonte: Growth Lab (2021) e UN DESA (2023).

Nota: O maior recorte temporal para o ICE é intencional, pois as transformações nas estruturas produtivas tendem a demorar mais para se manifestar em indicadores socioeconômicos e ambientais.

Portanto, os objetivos de educação de qualidade, acesso e cobertura universal de saúde, sistemas energéticos com zero emissões de carbono, ecossistemas e cidades sustentáveis, economias orientadas para a inovação e inclusão de serviços digitais exigem mais, muito mais, do que a mera celebração de acordos internacionais e a definição de metas audaciosas. O primeiro passo é reconhecer que a atual arquitetura financeira global do ODS não só é ineficaz em termos de investimentos consistentes necessários aos países em desenvolvimento, como também exacerba a disparidade entre e dentro das nações, em vez de aliviar. Nesse cenário, o rumo alternativo parece indicar para a priorização nas agendas governamentais de políticas industriais e de inovação que impulsionem a transformação disruptiva da economia.

Em síntese, esse debate é essencial para qualificar as políticas públicas e impactar o desenvolvimento das nações. Assim, construir compromissos e metas ambiciosas e valorosas é, sem dúvida, importante do ponto de vista político e simbólico. No entanto, para enquadrá-los de fato em ‘missões’ é preciso que a reforma da arquitetura financeira dos Objetivos seja efetivamente implementada com instrumentos que deem concretude a um amplo conjunto de políticas públicas estruturantes. Sem isso, a resposta à pergunta original deste artigo sinaliza mesmo para uma enorme utopia.

Notas

[1] UN DESA (2023). The Sustainable Development Goals Report 2023: Special Edition - New York, USA: UN DESA.

[2] Zhan, J. & Santos-Paulino, A. (2021). Investing in the Sustainable Development Goals: Mobilization, channeling, and impact. Journal of International Business Policy, Palgrave Macmillan, vol. 4(1), pages 166-183, March.

[3] Sachs, J.; Lafortune, G.; Fuller; G. & Drumm, E. (2023). Implementing the SDG Stimulus. Sustainable Development Report 2023, New York: United Nations.

[4] Mazzucato, M. (2023). Financing the Sustainable Development Goals through mission-oriented development banks. UN DESA Policy Brief Special issue. New York: UN Department of Economic and Social Affairs.

[5] Reinert, E. (2008). How Rich Countries Got Rich . . . and Why Poor Countries Stay Poor. Hachette Book Group

[6] Para detalher, ver https://atlas.cid.harvard.edu/.

[7] Kim, C. & Lee, S. (2014). Different paths of deindustrialization: Latin American and Southeast Asian countries from a comparative perspective, Journal of International and Area Studies, Vol. 21, 2.

* Esse texto é fruto de parceria entre o Diálogos Públicos, a ANESP e o Gestão, Política & Sociedade.

** Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

Sobre o autor:

Pedro Cavalcante é Doutor em Ciência Política e Professor do mestrado e doutorado em Administração Pública no IDP e Enap. Integrante da carreira federal de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.