Vinicius Lino 

Bhreno Vieira 

Dalson Figueiredo

 

Talvez, você não lembre do terceiro artigo da Proposta de Emenda Constitucional no 6 de 2019, mas é essa a disposição que define atualmente as idades de aposentadoria no Brasil: 65 para homens e 62 para mulheres. É provável que você conheça alguém que estuda ou que já tenha passado por uma escola cívico-militar, mesmo que não tenha lido todos os artigos do Decreto no 10.004 de 2019. Mais do que o agrupamento de artigos e incisos, essas legislações transformam as promessas de campanha dos governantes eleitos em elementos concretos com potencial de impactar a vida das pessoas.

Sejam elas aprovadas ou não, esse conjunto de normas representa o que a Ciência Política chama, de forma muito elegante por sinal, de agenda. Neste artigo, a partir de um levantamento inédito, examinamos as Medidas Provisórias, Projetos de Lei, Projetos de Lei Complementar e Propostas de Emenda à Constituição e decretos presidenciais da era Bolsonaro. Informação importante: esse governo foi atípico para os padrões institucionais brasileiros por ter optado por sobreviver sem coalizões partidárias, sendo atravessado pela pandemia de COVID-19. Além disso, o chefe do Executivo seguiu, de forma muito diligente, a cartilha populista-autoritária, assemelhando-se a lideranças como Trump e Orban. Dentro desse cenário, é essencial compreender sobre o que Bolsonaro e seus ministros dedicaram atenção enquanto formularam as propostas e decretos do governo. Em uma pergunta: o que propôs o governo Bolsonaro, afinal?

Nosso primeiro passo foi sistematizar uma base de dados com todas as proposições legislativas apresentadas pelo Executivo ao Congresso Nacional e os decretos presidenciais publicados no Diário Oficial da União entre 2019 e 2022. Dada à enorme quantidade de documentos, empregamos métodos automatizados para classificar o conteúdo e identificar os principais temas dessas propostas. Essa análise foi implementada com auxílio de um software muito popular entre os cientistas de todas as áreas, o R Statistical.  O Gráfico 1 ilustra a ênfase temática do conteúdo de 370 proposições legislativas.

 

Gráfico 1 - Ênfases temáticas das Proposições Legislativas

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Ao longo dos quatro anos, os temas mais presentes na agenda legislativa de Bolsonaro foram: Macroeconomia (15%), Pandemia (14%) e Administração Pública, Governo (12%). Isso indica que, mesmo que o ex-presidente tenha tentado negar ativamente os efeitos da pandemia, o governo teve que agir para tentar mitigar os efeitos adversos da crise sanitária. Outra característica foi a preocupação com assuntos relacionados a uma agenda tipicamente mais alinhada à direita, como a forte ênfase em tópicos sobre Macroeconomia. Além disso, detectamos esforços significativos para regular setores ou questões sobre Lei e Crime, polícia e assuntos sobre as Forças Armadas, como a PL 3723/2019, que trata sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, por exemplo. O Gráfico 2 demonstra os principais assuntos da agenda administrativa do governo a partir do conteúdo de 1.665 decretos presidenciais.

 

Gráfico 2 - Ênfases temáticas dos Decretos Presidenciais

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Entre os tópicos mais presentes na agenda administrativa, ou seja, nos decretos presidenciais, do governo Bolsonaro estavam assuntos relacionados à Administração Pública (25%), Burocracia (18%), Política e Comércio Exterior (12%) e Defesa (9%). Os decretos presidenciais tratam da organização e funcionamento da administração federal e não necessitam de aprovação pelo Legislativo. Exemplos dessa modalidade legislativa incluem o Decreto 11.172 de 2022, que autoriza o emprego das Forças Armadas durante a votação e apuração das eleições de 2022, ou o Decreto 9.728 de 2019, que promulga o tratado de extradição entre o Brasil e Israel.

Outra característica das agendas legislativa e administrativa do governo Bolsonaro é que 99,69% dos decretos e 98,64% das proposições possuem a participação de pelo menos um ministro ou ministra. Entre essas participações, chama a atenção a presença do Ministério da Economia na formulação da agenda do governo, com cerca de 50% dos decretos e em 68% das proposições legislativas. É comum presidentes delegarem o esforço da produção de documentos para os ministérios, como demonstra o trabalho “O poder no Executivo: uma análise do papel da Presidência e dos Ministérios no presidencialismo de coalizão brasileiro (1995-2010)” da Professora Marina Batista, mas ainda assim, é uma característica marcante como esse governo teve sua produção influenciada pelo então “superministério” da Economia.

Bolsonaro também se destacou como um dos presidentes brasileiros que mais utilizou Medidas Provisórias como forma de aprovar sua agenda de forma mais direta, segundo o estudo O Executivo Legislador: as características de como os presidentes brasileiros utilizam as ferramentas legislativas (1995 - 2022) de Vieira, e aqui, vemos que os principais temas deste tipo de proposição foram as questões relacionadas ao caráter emergencial como a pandemia, mas também dentro de assuntos que extrapolam essa pauta, como trabalho e emprego, regulação econômica e até temas da administração pública. Isso indica que quanto mais à direita o tema estiver, mais foi utilizado por Medidas Provisórias, ao passo que se o tema estiver à esquerda, foi mais utilizado Projetos de Lei (ver Gráfico 3).

 

Gráfico 3 - Chance do Tema por Projeto de Lei e Medida Provisória

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Por fim, apresentamos as seguintes conclusões: a) as principais ênfases da agenda legislativa foram propostas relacionadas à Macroeconomia, à Pandemia e à Administração Pública e às atividades do Governo; b) os temas mais frequentes da agenda administrativa foram Administração Pública, Burocracia e Política Externa e atividades relacionadas ao Comércio Exterior; c) a presença do Ministério da Economia em mais de 50% dos decretos e em 68% das proposições legislativas, indicando a alta participação de Paulo Guedes, ou como Bolsonaro preferia chamar, "Posto Ipiranga"; e d) que as Medidas Provisórias foram utilizadas em temas como Pandemia, Trabalho e Emprego e Suporte aos Setores Econômicos, por exemplo.

Também, ficou demonstrado que a agenda, seja ela legislativa ou administrativa, é um importante instrumento além dos discursos e manifestações em redes sociais para encontrar as preferências expressas dos governantes, além de um caminho para oferecer novas perspectivas sobre o que um Executivo atípico ao presidencialismo de coalizão brasileiro tratou como prioridade e dedicou atenção enquanto governava. E tudo isso assinando com uma caneta BIC.

*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

 

Sobre os autores:

Vinicius Lino é bacharel em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: vinicius.lino@ufpe.br

Bhreno Vieira é doutorando em Ciência Política (UFPE). E-mail: bhreno.vieira@ufpe.br

Dalson Figueiredo é Professor Associado do Departamento de Ciência Política da UFPE. E-mail: dalson.figueiredofo@ufpe.br