Bruno Marques Schaefer

Fernando Meireles

 

Em meio a crise e o caos instalados no Rio Grande do Sul, com a maior enchente já registrada em diversos municípios e o consequente fechamento do maior aeroporto até ao menos o fim do mês, vidas perdidas e centenas de milhares de desabrigados, muito se fala sobre a responsabilidade da elite política gaúcha na tragédia. Por mais que a prioridade atual seja o salvamento de vidas, acolhimento dos desabrigados e tentativa de restabelecimento da normalidade, é importante também considerar as causas e consequências da crise. Este é o objetivo deste texto. Revisamos parte da crescente literatura da Ciência Política que investiga desastres naturais e seus efeitos sobre as eleições, especialmente quando são feitos investimentos como forma de preparação a esses eventos (ex ante) ou como forma de recuperação (ex post).

Antes de avançar, cabe contextualizar a tragédia. Em primeiro lugar, eventos climáticos extremos, aqueles que fogem às médias estatísticas históricas, estão cada vez mais frequentes no mundo. Apesar dos negacionismos, a evidência se impõe, ilustrada por chuvas, secas, tornados, ondas de calor extremo, entre outros. Em segundo lugar, o Rio Grande do Sul já havia passado por uma série de eventos extremos no ano de 2023 cujo saldo foi 54 mortes, municípios devastados e perdas materiais substanciais. Por fim, o modelo de ocupação das cidades, legislação ambiental e o próprio modelo de desenvolvimento não sofreram qualquer tipo de alteração no período. Ao contrário, a opção dos gestores foi a de aprofundar a desregulamentação ambiental existente. A prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, atingida pelas cheias em 2023, não investiu um centavo em preparação a esse tipo de evento.

O que os governos podem fazer para mitigar ou minimizar os efeitos dos desastres ambientais? Aqui, há uma distinção importante entre prevenção e contenção/recuperação de desastres. Ações do primeiro grupo passam quase que despercebidas pela população e envolvem o investimento em planos de contingência, estruturas tecnológica como sensores, câmeras e sirenes, desassoreamento de rios, recuperação de matas nativas, restrição de atividades comerciais, industriais e moradias em áreas de risco, entre várias outras iniciativas. As ações do segundo grupo envolvem a resposta à crise, com a liberação de recursos para reconstrução de estradas, moradias, estabelecimentos comerciais/industriais, aliviamento de dívidas e juros, salvamentos, entre outros.

Para ambos os tipos de ação, há evidência cada vez maior sobre seus resultados. Trabalhos sobre o chamado voto retrospectivo, quando pessoas punem ou recompensam eleitoralmente políticos pelo seu desempenho à frente do mandato, avançou muito nos últimos anos. Vários estudos sugerem que não há uma relação completamente direta entre o desempenho de um mandato, por exemplo, e os resultados das urnas (Achen and Bartels 2013; Healy and Malhotra 2013). Há, isso sim, uma série de mediações que perpassam ideologia, partidarismo e acesso à informação que borram qualquer tipo de relação exclusivamente linear. Mesmo assim, no caso de desastres naturais, como o que assistimos agora, as evidências dão conta de que respostas rápidas são premiadas (até em longo prazo).

O trabalho de Bechtel e Hainmueller (2011) sobre enchentes no Rio Elba (Alemanha), por exemplo, mostra que pessoas nas regiões afetadas premiaram o partido no governo pela rápida e efetiva resposta ex post, inclusive anos depois. Eleitores punem políticos por desastres naturais, dada a magnitude dos eventos, prejuízos e vidas perdidas, mas somente quando não há ação percebida como adequada (Healy and Malhotra 2010). No caso dos EUA, quando governadores pedem ajuda do governo federal, também são recompensados eleitoralmente; quando presidentes negam ajuda, estes últimos são punidos (Gasper and Reeves 2011).

A relação nem sempre não é tão direta quando falamos de investimentos ex ante, ou seja, de preparação para desastres. Em outra frente, Healy e Malhotra (2009) demonstram que o gasto com preparação para desastres não favorece políticos mandatários nos EUA. Ao mesmo tempo, porém, investimento neste tipo de política é muito mais efetivo do que o gasto em respostas: 1 dólar gasto em preparação equivaleria a 15 dólares de mitigação de problemas (Healy and Malhotra 2009). Estudos mais recentes, para outros países, encontraram resultados semelhantes (Bechtel and Mannino 2023; Morvan and Paty 2024; Weller and Jamieson 2024). Isso indica o que os autores chamam de “miopia” do eleitor: o foco no curto-prazo de políticas públicas. Isso, por sua vez, gera incentivos aos políticos: investir em preparação não seria “rentável” eleitoralmente.

Como dito anteriormente, a relação entre desempenho de políticos e voto é mediada, entre outros fatores, pela comunicação. Alguns experimentos de survey demonstraram que quando o respondente é confrontado com a relação custo-benefício de políticas de preparação à desastres com vistas à longo-prazo, este tende a apoiá-las com maior afinco (Bechtel and Mannino 2023; Weller and Jamieson 2024). Bem por isso, o papel da elite política, mídia e sociedade civil passa pela necessidade de exposição pública dos benefícios de uma política de longo prazo para as mudanças climáticas — principal causa de eventos extremos. Isso implica mudanças profundas do modelo de desenvolvimento ambiental amplamente adotado atualmente no país, não só no Rio Grande do Sul, bem como o planejamento das cidades, recuperação de serviços públicos essenciais e maior coordenação entre entes federativos. O que vemos, até agora, contudo, são vários casos de desinformação e ausência de ações efetivas por parte, principalmente, do governo estadual e municipal de Porto Alegre.

Referências

Achen, Christopher H., and Larry M. Bartels. 2013. “Blind Retrospection : Why Shark Attacks Are Bad For Democracy DRAFT : 22 March 2012.”

Bechtel, Michael M., and Jens Hainmueller. 2011. “How Lasting Is Voter Gratitude? An Analysis of the Short- and Long-Term Electoral Returns to Beneficial Policy.” American Journal of Political Science 55(4):852–68. doi: 10.1111/j.1540-5907.2011.00533.x.

Bechtel, Michael M., and Massimo Mannino. 2023. “Ready When the Big One Comes? Natural Disasters and Mass Support for Preparedness Investment.” Political Behavior 45(3):1045–70. doi: 10.1007/s11109-021-09738-2.

Gasper, John T., and Andrew Reeves. 2011. “Make It Rain? Retrospection and the Attentive Electorate in the Context of Natural Disasters.” American Journal of Political Science 55(2):340–55. doi: 10.1111/j.1540-5907.2010.00503.x.

Healy, Andrew, and Neil Malhotra. 2009. “Myopic Voters and Natural Disaster Policy.” American Political Science Review 103(3):387–406. doi: 10.1017/S0003055409990104.

Healy, Andrew, and Neil Malhotra. 2010. “Random Events, Economic Losses, and Retrospective Voting: Implications for Democratic Competence.” Quarterly Journal of Political Science 5(2):193–208.

Healy, Andrew, and Neil Malhotra. 2013. “Retrospective Voting Reconsidered.” Annual Review of Political Science 16(1):285–306.

Morvan, Carla, and Sonia Paty. 2024. “Natural Disasters and Voter Gratitude: What Is the Role of Prevention Policies?” Public Choice 198(3):427–65. doi: 10.1007/s11127-023-01137-x.

Weller, Nicholas, and Thomas Jamieson. 2024. “Correcting Myopia: Effect of Information Provision on Support for Preparedness Policy.” Political Research Quarterly 77(2):485–99. doi: 10.1177/10659129231221486.

*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

 

Sobre os autores:

Bruno Marques Schaefer é Professor Adjunto de Ciência Política do IESP-UERJ. E-mail: brunoschaefer@iesp.uerj.br

Fernando Meireles é Professor Adjunto de Ciência Política do IESP-UERJ. E-mail: fernando.meireles@iesp.uerj.br