Fábio Vasconcellos

Rafael Cardoso Sampaio

 

Em um mundo atravessado por questões culturais, econômicas, políticas e sociais que se entrelaçam, e que vive particularmente um momento de grande polarização política, fomentada em parte pela desinformação, é fundamental atentarmos para a qualidade do debate público.

Como sabemos, as arenas nas quais o debate acontece se confundem hoje e, frequentemente, estão sobrepostas (online e offline). No digital, há uma intensa participação, excessivamente orientada pela modulação algorítmica das plataformas, que pode tanto ampliar como tornar invisíveis personagens, argumentos ou temas.

Entretanto, tradicionalmente, o debate na sociedade é organizado por meio da indústria da informação, com destaque para a imprensa. Geralmente, é por meio dela que atores, agendas e enquadramentos ganham relevância pública, estimulando o debate e a formação de opinião. Quem participa das matérias, artigos e reportagens da imprensa contribui, pelos critérios jornalísticos, com a qualidade do debate público.

Nessa perspectiva, examinamos quais profissionais são recorrentemente acionados pela imprensa, colaborando com os conteúdos produzidos por jornalistas. Como o ecossistema informativo é, como observamos, mais complexo, examinamos também o interesse do público em geral pelas mesmas profissões acionadas pela imprensa. Estamos particularmente interessados em compreender a frequência com que cientistas políticos têm sido convocados para o debate na imprensa e, simultaneamente, a frequência que isso se repete no interesse da sociedade em geral.

Há ao menos três cenários que ampliam as chances de um profissional ser acionado pela imprensa. A primeira delas em razão dos temas dos quais são mais preparadas para discutir. Nesse caso, o conhecimento técnico e a especialidade da profissão caminham próximos ao tema debatido na imprensa. Mas há outros dois cenários que interferem nessa dinâmica.  Agentes podem ampliar a sua participação em razão da rede de contatos próxima a veículos de imprensa e jornalistas, bem como a própria disponibilidade. Em outros termos, um profissional pode ser considerado hábil para contribuir com a imprensa sobre um tema, mas pode não está disponível no mesmo timing dos jornalistas (Berkowitz, 2019). Para além disso, fatores ideológicos conectados à linha editorial do veículo e/ou de seus responsáveis podem interferir (Santos, Júnior; Albuquerque, 2024).

Dado que essas variáveis são de difícil observação, partimos de uma compreensão mais geral que procura identificar apenas as profissões com mais menções na imprensa, independentemente das condições que possam ter favorecido ou inibido essas menções. Nossa outra dimensão de análise, qual seja, o interesse dessas profissões mencionadas pela imprensa, não problematiza, as inúmeras razões pelas quais uma pessoa faz uma busca por “cientista político” na internet, seja para compreender um tema político, seja como uma pesquisa escolar para saber o que faz esse profissional.

O mapeamento que apresentamos é, portanto, de natureza exploratória, e visa levantar os primeiros dados e questões sobre a qualidade do debate público, considerando as profissões que mais participam do interesse da imprensa e da sociedade em geram, sem levar em conta as nuances e razões desse interesse.

Com base nos dados capturados e organizados pelo Media Cloud do MIT identificamos de 1º de janeiro até o dia 15 de maio de 2024 a frequência com que seis profissões foram mencionadas em 167 veículos de imprensa do Brasil. Foram consideradas no levantamento as profissões de advogado(a), economista, psicólogo(a), sociólogo(a), filósofo(a), antropólogo(a) e cientista político(a), profissão de desejamos destacar em nossa análise.

A primeira constatação é que os advogados são disparados a profissão com a maior quantidade de menções na imprensa. Em total de cerca de 31 mil citações, os advogados aparecem mais de 20,6 mil vezes. Isso representa cerca de 62% dos casos. Na sequência, vem os economistas, com 17%, seguidos dos psicólogos (10%) e dos cientistas políticos (3,2%). As demais profissões consideradas no levantamento somam cerca de 7%.

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Parte do volume de menções aos advogados pode estar associada à natureza desta profissão. Advogados atuam em muitas áreas do setor público ao setor privado, e, em diversos momentos, são chamados a falar, com argumentos sobre determinado tema, ou ainda na condição de representantes de seus clientes. A distribuição pelos veículos de imprensa considerados na amostra indica que há situações em que os advogados chegam a ser mencionados em até 86% das publicações, demonstrando, portanto, a relevância desse tipo de levantamento quando queremos discutir a qualidade do debate público, segundo a variedade de atores chamados a participar.

Após os advogados, o que temos, na sequência, é uma imprensa bastante ocupada por economistas e psicólogos. As demais profissões pouco aparecem no noticiário, indicando, possivelmente, ou um desconhecimento do que exatamente esses profissionais podem contribuir para o debate público, ou uma agenda restrita de temas expostos ao debate público.  

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A partir desses dados, podemos reorganizá-los de modo a identificar os veículos que apresentam uma maior diversidade de menções às seis profissões em questão. Esse tipo de análise é, evidentemente, influenciada pelo perfil do veículo. Aqueles especializados em economia tenderão a mencionar mais economistas, enquanto veículos mais generalistas tenderão a abordar uma maior variedade de temas e, logo, de profissionais requisitados.

No gráfico abaixo, vemos que a BBC apresenta uma distribuição mais equilibrada, com apenas 29% de menções a advogados, seguido por 20% de economistas e 17% de psicólogos. A IstoéDinheiro, veículo especializado em economia, tem 45% de advogados mencionados e 40% de economistas. Mas, no ranking, é possível identificar veículos que apresentam perfil mais generalista na sua cobertura, mas que registram  sempre maiores proporções de economistas mencionados.

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E quanto essas profissões são buscadas na internet?

Mas, e a sociedade em geral? Como anda o seu interesse por essas mesmas profissões analisadas nas publicações da imprensa? Para verificar esse dado que, repetimos, é apenas de natureza exploratória, utilizamos a base de dados do Google Trends, principal buscador utilizado no Brasil. Para essa análise, e considerando a diversidade de temas e áreas que os advogados atuam, decidimos excluir essa profissão das buscas. Além disso, como há restrição de pesquisar apenas cinco termos por vez, reproduzimos o gráfico com e sem o termo “cientista político”, que foi substituído na segunda rodada pelo termo “psicólogo”.

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O que é possível observar, os brasileiros apresentam um alto interesse pelos termos “filósofo”, “psicólogo” e “economista”, e uma baixa curiosidade pelas demais profissões. Parte dessa diferença em relação às menções na imprensa pode estar relacionada à diversidade de interesses na sociedade quando busca por essas profissões, mas, é sintomático notar que “economista”, que ocupa a segunda posição nos jornais, no principal buscador da internet é apenas o terceiro termo mais pesquisado. Do mesmo modo, o alto interesse por “psicólogo” que, vale ressaltar mais uma vez, está associado a uma diversidade maior de interesses da sociedade, lidera a lista do Google, enquanto na imprensa representa a terceira categoria mais mencionada.

O nosso tema específico de interesse, as pesquisas sobre o termo “cientista político” apresentam uma baixa frequência de buscas na internet, repetindo o comportamento da frequência na imprensa. A baixa frequência a nosso ver reflete uma hipótese que temos debatido entre cientistas políticos, a sociedade, bem como a imprensa tem uma baixa compreensão das funções e atividades que cientistas políticos desempenham. Essa hipótese tem um forte argumento a seu favor. Embora seja um termo ainda pouco buscado, “cientista político” vem apresentando uma tendência de alta no Google. Os brasileiros estão pesquisando mais sobre esse termo, o que sugere uma lenta popularização da profissão.

Mas, quais seriam as explicações para esse aumento das buscas por “cientista político”? Não sabemos com certeza, mas há uma pista. É um termo mais buscado em anos eleitorais no Brasil, notadamente nos anos de eleições gerais (presidente, governador, senador e deputados), conforme podemos verificar no gráfico abaixo. Em anos eleitorais, há um pico de buscas no Google. Esse dado é importante para essa categoria, mas, como cientista político, insuficiente para as inúmeras atribuições que esses profissionais têm ou que podem contribuir para a sociedade e o debate público.

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Conclusão

Os resultados acerca das menções nos veículos de imprensa indicam claramente que advogados e economistas são com boa folga aqueles mais convocados para compreender a realidade brasileira. Considerando que política e economia são os dois temas principais de qualquer grande veículo jornalístico, isso significa que as Ciências Sociais, no geral, e a Ciência Política, em específico, tem baixa participação no debate público promovido pela imprensa.

Muitos fatores justificam a maior frequência de algumas profissões na imprensa, incluindo as rotinas e os atalhos que facilitam o cotidiano dessa profissão. Porém, é necessário chamar atenção para o fato de que Direito e Economia são campos profissionais muito antigos e consolidados na sociedade brasileira. Elas  podem ser vistas como vozes mais autorizadas por gozarem de maior status e reconhecimento social. Para além disso, são profissões também que já se encontram mais próximas das elites políticas, judiciais e econômicas, contando ainda com entidades representativas com notável capacidade de influenciar o debate público.

De modo surpreendente, tal situação se modifica significativamente quando olhamos pelas buscas da população no Google, mas são psicólogos e filósofos os que ficam expressivamente à frente de economistas, cientistas políticos, antropólogos e sociólogos. Em um mundo pós-pandemia e com significativos problemas de saúde mental, parece-nos natural a maior busca por psicólogos. O interesse por filósofos já demandaria mais reflexões, mas certamente denota que se trata de uma profissão mais conhecida pela população. Uma hipótese rival que pode servir de alerta para os colegas é em que medida se trata efetivamente de filósofos e quanto são, na verdade, coaches, vendedores de conselhos e cursos de auto-ajuda e influenciadores digitais sem formação ou ética.

No caso dos cientistas políticos, é possível que a sociedade de uma maneira geral, aí provavelmente incluindo os próprios jornalistas, desconheça as demais funções e atividades que esses profissionais estão à frente, como no trabalho em ONGs, Think Tanks, Legislativo, Executivo, Judiciário, partidos e até mesmo em empresas que lidam com atividades de impacto na sociedade, a exemplo de institutos de pesquisas de opinião, RelGov e institutos de advocacy.

Nosso mapeamento demonstra que a frequência do termo no Google se altera no período eleitoral. Nos anos de campanha, a busca por cientistas políticos cresce consideravelmente. Para além da tendência de crescimento, é necessário atentar para o fato de que sociedade em geral, e os jornalistas em particular, possam ver nesses profissionais o conhecimento especializada necessário, contudo, pode ser um sinal também de que são vistos quase exclusivamente como "comentaristas eleitorais".

O baixo conhecimento dos atores midiáticos e da população sobre a profissão de cientista político é ponto preocupante. A expertise desses profissionais se estende a temas como partidos políticos, sistemas eleitorais, comportamento político, comunicação política, políticas públicas, relações internacionais, entre outros campos igualmente cruciais para a compreensão de fenômenos políticos e sociais.

Os dois resultados apontam para a necessidade de um esforço ativo significativamente superior desses profissionais para contribuir de forma mais ativa com o debate público.

Referências

BERKOWITZ, Dan. Reporters and their sources. In: The handbook of journalism studies. Routledge, 2019. p. 165-179.

SANTOS JUNIOR, Marcelo Alves, Albuquerque, Afonso. Classificação ideológica de fontes informacionais: o paralelismo político na análise da atenção midiática multipartidária no Brasil. Opinião Pública, vol. 30, p. 1-24, 2024: e3016

 

*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

 

Sobre os autores:

Fábio Vasconcellos é cientista político, jornalista, professor (UERJ/ESPM) e líder de Dados e Projetos Acadêmicos do Instituto Informa

Rafael Cardoso Sampaio é professor de Ciência Política da UFPR e coordenador do ebook "Se joga! Um guia prático para o cientista político se inserir no mercado de trabalho".