Fernando Freire Dutra

 

O Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) é uma iniciativa inovadora da União Europeia (UE) com o objetivo de mitigar as emissões de carbono, impondo um preço sobre as importações de produtos intensivos em energia provenientes de países fora da UE. Esta medida visa assegurar que as empresas estrangeiras que exportam para a UE incorporem os custos das emissões de carbono em seus produtos, criando condições de concorrência equitativas e evitando distorções na competição com as empresas europeias. Ademais, o CBAM busca incentivar a transição para práticas mais sustentáveis e reduzir o risco de "fuga de carbono", fenômeno no qual empresas transferem sua produção para regiões com regulações ambientais menos rigorosas.

A Alemanha, como a maior economia da UE e uma potência industrial global, desempenha um papel crucial na implementação e no impacto do CBAM. Com uma economia fortemente baseada na exportação e importação de bens industriais, a Alemanha será um dos principais países a observar mudanças significativas nas dinâmicas comerciais decorrentes do CBAM. As empresas alemãs, já sujeitas a rigorosas regulamentações ambientais domésticas, poderão se beneficiar de um campo de atuação nivelado, onde os concorrentes internacionais também terão que arcar com os custos das emissões de carbono.

A introdução do CBAM trará implicações significativas para o comércio com países terceiros, afetando diretamente parceiros comerciais importantes da Alemanha. As empresas exportadoras desses países precisarão se adequar às novas exigências ambientais para continuarem operando no mercado da UE. A imposição de um preço sobre as emissões de carbono resultará em um aumento nos custos de produção para essas empresas, potencialmente tornando seus produtos menos competitivos em relação aos produtos europeus, que já estão sujeitos a regulamentações ambientais semelhantes. Isso pode gerar tensões comerciais e forçar as empresas a ajustarem suas estratégias para atender aos requisitos do CBAM e manter sua presença no mercado europeu. Por outro lado, o CBAM pode estimular a inovação e a adoção de tecnologias mais limpas, à medida que as empresas buscam reduzir suas emissões de carbono para se manterem competitivas. Esta dinâmica pode catalisar uma transição mais rápida para uma economia global verde e sustentável, alinhando-se com as metas de redução de emissões de carbono da UE.

Diversos setores serão afetados pelo CBAM, cada um enfrentando desafios e oportunidades únicas. O setor de óleo e gás, crucial para muitos países exportadores, será diretamente impactado. Países como Líbia, Iraque, Brasil, México e Nigéria, grandes exportadores de petróleo e gás para a Alemanha, terão que se adaptar às novas exigências do CBAM. A adaptação a essas novas regulamentações pode implicar em investimentos significativos em tecnologias de redução de emissões, o que pode aumentar os custos de produção e impactar a competitividade desses países no mercado europeu. No setor de carvão, países como República Tcheca, Austrália, Colômbia, Estados Unidos, Indonésia e Singapura também enfrentarão desafios substanciais. A imposição do CBAM pode desincentivar o uso de carvão em favor de fontes de energia mais limpas, acelerando a transição para energias renováveis e promovendo um ambiente global mais sustentável. O setor de energia nuclear também verá mudanças significativas. A importação de materiais e tecnologias relacionadas à energia nuclear terá que se alinhar com os critérios ambientais do CBAM, afetando os principais exportadores desse setor.

Segundo um relatório divulgado pela Clingendael em maio de 2022, o Mecanismo pode impactar negativamente o comércio internacional de diversas formas. Primeiramente, ao aumentar os custos administrativos para empresas de exportação europeias e estrangeiras, o CBAM pode criar barreiras adicionais à entrada no mercado, sobrecarregando as empresas com novas responsabilidades e exigências burocráticas. Esses custos extras podem afetar a competitividade das empresas e influenciar os preços finais dos produtos, tornando-os menos acessíveis tanto para consumidores quanto para empresas que dependem desses insumos. Além disso, ao elevar os preços de produtos básicos, o CBAM pode gerar inflação e reduzir o poder de compra dos consumidores, impactando diretamente a economia global e as relações comerciais entre países.

Outro impacto negativo significativo da implementação do CBAM identificado pela Clingendael é o potencial surgimento de conflitos comerciais internacionais. Medidas unilaterais como a introdução de um mecanismo de ajuste de fronteiras de carbono podem levar a retaliações por parte de países afetados, desencadeando uma série de disputas comerciais que prejudicam a estabilidade do sistema comercial internacional. Além disso, ao minar o sistema multilateral baseado em regras, o CBAM pode prejudicar a confiança mútua entre países e enfraquecer as negociações comerciais e climáticas globais, gerando tensões que impactam não apenas o comércio, mas também as relações diplomáticas e a cooperação internacional em questões ambientais e econômicas.

Apesar dos desafios, o CBAM também apresenta oportunidades para países que já possuem matrizes energéticas mais limpas. O Brasil é um exemplo notável. Com 89% de sua matriz energética proveniente de fontes renováveis, predominantemente hidroelétricas, o Brasil possui uma pegada de carbono industrial significativamente menor em comparação com outros países em desenvolvimento, como China, Índia e México. Esta vantagem competitiva pode permitir ao Brasil fortalecer sua posição no mercado europeu, destacando suas credenciais ambientais positivas e atraindo investimentos em tecnologias verdes. Para a Alemanha, um parceiro comercial importante, esta transição pode significar a diversificação de suas fontes de importação, favorecendo países que se alinham com seus elevados padrões ambientais.

A introdução do CBAM pela União Europeia representa um marco significativo na luta contra as mudanças climáticas, com amplas implicações para o comércio internacional. Os países terceiros, especialmente aqueles que dependem fortemente da exportação de produtos intensivos em energia, enfrentarão desafios consideráveis ao se adaptarem às novas regulamentações. No entanto, esses desafios também trazem oportunidades de inovação e transição para práticas mais sustentáveis. O CBAM pode servir como um catalisador para a adoção de tecnologias limpas e práticas ambientais responsáveis, beneficiando o meio ambiente e a saúde global. Países como o Brasil, com suas matrizes energéticas limpas, estão bem posicionados para se beneficiar dessas mudanças, fortalecendo sua competitividade no mercado europeu. Para a Alemanha, este cenário pode resultar em um fortalecimento de suas cadeias de suprimento sustentáveis e na promoção de parcerias comerciais baseadas em padrões ambientais elevados.

O CBAM não apenas impactará o comércio com países não europeus, mas também desempenhará um papel crucial na promoção de uma economia global mais verde e resiliente. A colaboração internacional e a adoção de medidas eficazes para enfrentar as mudanças climáticas são cada vez mais cruciais, e o CBAM é um exemplo de como a UE está liderando o caminho para uma economia de baixo carbono e sustentável. O sucesso do CBAM dependerá da capacidade dos países terceiros em se adaptarem às novas exigências, investirem em tecnologias limpas e alinharem suas políticas industriais com as metas ambientais globais. Assim, o CBAM poderá não só equilibrar a competitividade entre produtos europeus e não europeus, mas também fomentar uma transformação global rumo a um futuro mais sustentável e responsável.

Referências e fontes

GOVERNO FEDERAL DO BRASIL. Brasil, a Business Friendly Economy. Maio de 2022.

AGÊNCIA AMBIENTAL ALEMÃ. Introduction of a CBAM in the EU. Maio de 2023.

FRAUNHOFER, ISE. Electricity Generation in Germany in 2023. 2023.

CLINGENDAEL. The CBAM Effect: How the World is Responding to the EU's New Climate Stick. 2022.

DELOITTE. CBAM Gesetzliche Meldepflichten seitdem 01. Oktober 2023.

 

*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

 

Sobre o autor:

Fernando Freire Dutra é mestrando em Negócios e Política Internacional na Georgetown University. Mestre em Gestão e Políticas Públicas pela FGV EAESP. Ex-Adido Econômico do Brasil em Washington, DC. Atualmente, atua como Executivo Sênior no Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).