Janaina Ferreira Ma

Joilma Sant'Anna Favero

Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

Dentre as inúmeras metodologias que permitem conhecer e estruturar políticas e programas governamentais, é muito disseminada a utilização do modelo lógico, uma abordagem que busca esclarecer os elos causais existentes entre o problema de natureza pública que se pretende enfrentar e como a intervenção desenhada irá atuar para solucioná-lo. Para evidenciar a racionalidade existente na teoria que sustenta o programa, a construção do modelo lógico exige a articulação entre cinco elementos relacionados: os insumos, as atividades, os produtos, os resultados e os impactos.

Para refletir sobre os vários aspectos relacionados à utilização de modelos lógicos na realidade brasileira, o presente artigo explora os cinco elementos citados, ponderando que não importa apenas usar o modelo lógico, mas a forma como isso é feito, de modo a colher o melhor desse dispositivo. 

Cobertor curto: Os recursos são finitos e as necessidades infinitas. Esse aforismo da economia se aplica aos programas, especialmente em um país com restrições orçamentárias, como o Brasil. Ao chamar a atenção para os insumos, o modelo lógico demanda um olhar sobre os recursos disponíveis para a execução da intervenção proposta.

É fundamental que o desenho dos programas seja respaldado pelo orçamento existente, sob pena de se tornarem meros protocolos de intenções, sem condições de implementação. Além dos recursos financeiros, inclui-se, entre os insumos, as capacidades estatais para a implementação da política.

Tais capacidades englobam pessoas com conhecimentos técnicos especializados, habilidades e competências, inclusive políticas, para a devida mobilização dos interessados e a produção dos consensos necessários para o desenvolvimento de programas que privilegiem a participação social.

Processos complexos: A dinâmica dos problemas de natureza pública, permeados por causas multidimensionais, torna cada vez mais complexas as formas de intervenção na realidade, exigindo o planejamento e a execução de uma série de atividades interconectadas, sob a responsabilidade de agentes públicos das mais diversas áreas do Estado. Por isso, o modelo lógico dá centralidade às atividades, como um conjunto de processos que interconectam os insumos aos produtos, resultados e impactos esperados.

Inclui-se entre as atividades o desenvolvimento de normas, sistemas computacionais, estruturação e tratamento de grandes volumes de dados, treinamento e capacitação de equipes, melhoria de infraestrutura, estratégias de comunicação, atividades de controle interno e gestão de riscos, dentre outras.

Entregas que transformam a realidade: mesmo lidando com escassez e complexidade, espera-se que qualquer intervenção estatal entregue os produtos decorrentes de suas atividades, alcance os resultados esperados e, de preferência, gere impactos duradouros, que contribuam para a melhoria da vida das pessoas. Ao traduzir os objetivos das políticas públicas em produtos, resultados e impactos, o modelo lógico facilita a visualização dos indicadores que servirão ao seu monitoramento e avaliação.

O uso do modelo lógico, no entanto, requer cuidados. O pressuposto da lógica causal subjacente ao modelo não pode ser reduzido a uma armadura de racionalidade ingênua e desconectada da realidade complexa e dinâmica em que as políticas públicas se desenvolvem. Qualquer agente público verdadeiramente envolvido nos desafios de implementar políticas públicas no Brasil sabe que, assim como no grande sertão de Guimarães Rosa, “uma coisa é por ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil e tantas misérias”.

Por isso, o modelo lógico deve ser utilizado com clareza e responsabilidade, compreendendo-se a sua utilidade e as suas limitações. Na prática, isso significa assumir algumas premissas interrelacionadas.

Primeiro, que a racionalidade é limitada e, portanto, os agentes públicos, pesquisadores e cientistas envolvidos no desenho de programas não são capazes de prever todo o desenrolar da implementação, sujeita tanto a eventos externos não esperados, quanto a mudanças no contexto institucional.

Segundo, que a realidade não é estática, mas dinâmica e complexa, e ainda, dependente da trajetória que lhe antecede. Programas não são desenhados numa página em branco para resolver problemas estáticos. Os problemas de natureza pública se locomovem, se modificam e se complexificam. Qualquer intervenção tem o desafio semelhante ao de adentrar num trem em movimento e em alta velocidade buscando modificar o seu rumo para o caminho desejado. Essa tarefa não pode ser vista como algo em que as variáveis estão sob absoluto controle.

Terceiro, é preciso assumir que tanto os problemas quanto as soluções são resultado de interpretações em disputa por grupos de atores com posicionamentos divergentes sobre a realidade. E esses posicionamentos também estão sujeitos a modificações ao longo do tempo. Isso implica assumir que o ambiente de formulação e implementação de políticas públicas exige diálogo permanente e produção de consensos mínimos necessários ao enfrentamento dos problemas. As divergências precisam se refletir nas intervenções propostas como força motriz do Estado que se pretende democrático e de direito e não como barreiras instransponíveis que paralisam a sua atuação.

Quando posicionado nesse contexto, o modelo lógico pode ser uma ferramenta poderosa para a promoção de políticas públicas dotadas de coerência e convergência entre os instrumentos de política pública disponíveis no aparato estatal. Sua utilização ganha força ao potencializar o monitoramento e a avaliação numa perspectiva que vai além do controle e da cobrança por resultados imediatos, mas alicerçados numa concepção formativa, que valoriza os aprendizados acumulados durante o processo.

Ao contrário, quando alçado a um mecanismo de controle para justificar apressadamente a descontinuidade de programas sob o pretexto de uma tomada de decisão pretensamente racional e baseada em evidências, o modelo lógico pode se converter numa arma de enterrar programas, que nos coloca permanentemente num cenário de terra arrasada. E nesse cemitério de programas, enterram-se enormes montantes de recursos públicos, aprendizados acumulados e sementes plantadas que poderiam nos levar à colheita de resultados.

Encerramos, recorrendo novamente à filosofia do sertão de Guimarães Rosa: “o real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia”. É nisso que acreditamos. Que ferramentas como o modelo lógico, ao apoiarem os processos das políticas públicas, especialmente os de avaliação, só cumprem o seu papel, quando compreendem os contextos e fazem valer os aprendizados acumulados na travessia.

*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

Sobre os autores:

Janaina Ferreira Ma é Doutora em Administração (UnB)

Joilma Sant'Anna Favero é Especialista em Auditoria Pública (UNEB)

Marcus Vinicius de Azevedo Braga é Doutor em Políticas Públicas (UFRJ)