Ana Gabriela Filippi Sambiase 

Laís Maranhão Santos Mendonça

 

Uma ideia, cooperação interfedarativa, solidariedade e 15 dias. Esses foram os insumos para concretizar a primeira força-tarefa interfederativa do Cadastro Único para acesso a políticas sociais em situações de emergência. No último dia 06 de junho, 42 entrevistadores e entrevistadoras sociais chegaram ao RS para apoiar as equipes locais no atendimento da demanda de famílias atingidas pelos alagamentos para inclusão e atualização do Cadastro Único [1] e, consequentemente, para o acesso a políticas sociais emergenciais.

Na primeira semana de maio deste ano, o RS foi alagado: são 95 municípios em estado de calamidade pública e 323 em situação de emergência [2]. Estima-se que 4,1 milhões de pessoas foram afetadas. Diante dessa situação, o Governo Federal e o estado do RS criaram programas sociais emergenciais para apoiar financeiramente as famílias desabrigadas e desalojadas.

O Auxílio Reconstrução, criado pelo Governo Federal, transferirá, em única parcela, R$ 5.100,00 às famílias desalojadas ou desabrigadas do RS. A seleção de beneficiários será realizada a partir de listas de candidatos encaminhadas pelos municípios atingidos, após a confirmação das famílias pelo Gov.br.

O Volta por Cima, criado pelo estado do RS, vem transferindo R$ 2.500,00 para famílias desalojadas e desabrigadas em virtude de eventos climáticos ocorridos entre 1º de janeiro e 31 de março de 2024, e que residiam em município em situação de emergência ou em estado de calamidade pública. Além disso, elas precisam ser cadastradas especificamente para esse programa, além de já estarem inscritas no Cadastro Único na situação de pobreza ou extrema pobreza. [3]

O SOS Rio Grande do Sul é fruto de recursos de doações privadas, que serão distribuídos pelo estado do RS para famílias com renda de até 3 salários mínimos, desalojadas e desabrigadas pelos alagamentos, ainda que já tenham retornado para suas casas. Essas famílias devem estar inscritas no Cadastro Único ou no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) e não podem ter sido beneficiadas pelo Volta por Cima. [4]

Os 3 programas utilizam, de alguma forma, o Cadastro Único: o Auxílio Reconstrução não exige que as famílias estejam cadastradas no Cadastro Único, mas essa é uma base de dados importante que pode ser utilizada pelos municípios para identificar as famílias; já o Volta por Cima e o SOS Rio Grande do Sul exigem que as famílias estejam cadastradas para acessar os apoios financeiros.

Sem entrar no mérito sobre a conveniência da utilização do Cadastro Único para selecionar beneficiários de programas sociais emergenciais durante a crise, esse uso existe e vem mobilizando as famílias para se cadastrarem. E, ainda que esses programas emergenciais não existissem, é certo que a demanda por acesso aos programas sociais já existentes aumentaria a necessidade de atendimentos para inclusão e atualização, uma vez que o Cadastro Único dá acesso a 40 programas federais, sem contar os municipais e estaduais. Além disso, muitas famílias que antes não eram parte do público-alvo do Cadastro Único e que perderam tudo nos alagamentos, agora são famílias vulneráveis que demandam identificação e cadastramento.

Por isso, a gestão federal do Cadastro Único, a partir dos relatos do estado do RS e dos municípios afetados, bem como de atuação direta local, identificou a necessidade premente de apoiar as equipes dos municípios atingidos pelos alagamentos no RS.

Após 30 dias do início dos alagamentos, foram enviados 42 entrevistadores e entrevistadoras do Cadastro Único, provenientes de 6 estados brasileiros, para reforçar as equipes de 6 municípios gaúchos. Para a concretização dessa força-tarefa, a gestão federal:

  • levantou as necessidades de entrevistadores dos municípios gaúchos;
  • mobilizou estados e municípios para a indicação de quem poderia contribuir enviando profissionais;
  • recebeu a indicação de entrevistadores e entrevistadoras pelos municípios;
  • providenciou a ida dessas pessoas a Brasília, com diárias, passagens e alojamentos;
  • realizou formação rápida de um dia, no MDS, para repassar orientações específicas para a atuação no RS, bem como vacinação e entrega de notebooks, internet e agasalhos;
  • providenciou a ida deles e delas para o RS e a alocação nos municípios solicitantes.

Nada disso seria possível sem a cooperação interfederativa já instituída na gestão do Cadastro Único, que se provou exitosa, mais uma vez. O engajamento do  estado do RS e dos municípios gaúchos em situação de emergência e estado de calamidade pública na elaboração do diagnóstico sensibilizou 15 municípios de diferentes regiões do Brasil que, prontamente (há que se ressaltar), disponibilizaram entrevistadores e entrevistadoras do Cadastro Único pertencentes a suas equipes. Esses entrevistadores e essas entrevistadoras se voluntariaram a deixar suas cidades, suas casas e suas famílias para apoiar o RS, em demonstração de profunda solidariedade de quem diariamente enfrenta, com extrema resiliência, os desafios da pobreza.

A realização dessa força-tarefa é o Estado trabalhando de forma interfederativa. É a demonstração de que informação com qualidade, como a registrada no Cadastro Único, é fundamental para realizar políticas sociais, em especial as emergenciais. E, por fim, é a prova de que não é possível prescindir do Estado em situações de emergência, e de que a federação brasileira tem, sim, suas vantagens.

Notas

[1] O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único) é o principal instrumento para identificar e caracterizar a situação socioeconômica das famílias de baixa renda do território brasileiro, por meio do qual as famílias acessam programas sociais como o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), a Tarifa Social de Energia Elétrica, entre outros.

[2] https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/sobe-numero-de-municipios-do-rio-grande-do-sul-em-estado-de-calamidade-publica-prejuizos-somam-r-11-bilhoes

[3] https://sosenchentes.rs.gov.br/voltaporcima

[4] https://sosenchentes.rs.gov.br/como-receber-recurso-do-pix

*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

Sobre as autoras:

Ana Gabriela Filippi Sambiase é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Mestra em Governança e Desenvolvimento pela Escola Nacional de Administração Pública – Enap

Laís Maranhão Santos Mendonça é Analista Técnica de Políticas Sociais. Mestra em Direito pela Universidade de Brasília e doutoranda em Políticas Públicas pela Enap