André Costa

Dalson Figueiredo

Diego Leonel

 

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Este pode ser o primeiro artigo de opinião que você lê que começa com um gráfico. Ele ilustra a variação da taxa de desocupação, popularmente conhecida como desemprego, no Brasil entre 2012 e 2024, utilizando quatro marcadores temporais importantes.

A linha pontilhada verde representa o afastamento da então presidente Dilma Rousseff, ocorrido em agosto de 2016. A linha pontilhada vermelha indica o período em que a Lei 13.467 de 2017 alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em fevereiro de 2020 tivemos o primeiro registro de Covid-19 em solo brasileiro, conforme ilustra a linha azul. Por fim, a linha preta demarca a chegada do atual presidente Lula ao poder para cumprir o seu terceiro mandato. 

Com a delimitação temporal estabelecida, podemos agora abordar a questão central que motiva este artigo: o que podemos aprender sobre os impactos da Reforma Trabalhista após quase oito anos? Para responder essa pergunta, todavia, devemos compreender algumas mudanças que foram introduzidas. Destacamos os seguintes temas: 1) negociação coletiva; 2) jornada de trabalho; 3) terceirização; 4) admissões e 5) contribuição sindical.

Em particular, com a reforma, as convenções coletivas foram enfraquecidas e o medo do desemprego tornou as negociações individuais mais favoráveis aos empregadores. O art. 611-A da CLT permitiu que o negociado prevalecesse sobre o legislado em pontos que podem reduzir direitos trabalhistas, como jornada e intervalos de trabalho. Embora o art. 7º, VI, da CF/88, permita tal previsão para ampliar vantagens, a reforma permitiu retrocessos. Além disso, o art. 8º, VI, da CF/88, proíbe a exclusão dos sindicatos dessas negociações.

A Reforma Trabalhista, Lei nº 13.46717, introduziu uma mudança controversa ao permitir a jornada de trabalho 12 x 36 mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo para qualquer tipo de atividade laboral. Esta alteração contraria o art. 7º, XIII, da CF/88, que estabelece a jornada de oito horas diárias, e, também, atinge o Princípio da Vedação do Retrocesso Social, que protege os direitos sociais dos trabalhadores. A jornada 12 x 36, frequentemente usada nas áreas de segurança e saúde, já era questionada devido ao desgaste físico e emocional que impõe aos trabalhadores.

Além disso, a nova legislação facilitou a terceirização em todas as atividades da empresa, inclusive, na atividade-fim. Antes da reforma, uma escola, por exemplo, não podia contratar professores terceirizados, pois o ensino era considerado atividade-fim. Com a aprovação da Lei 13.467/17, essa restrição foi eliminada, permitindo a terceirização para atividades essenciais ao negócio.

Teoricamente, essas mudanças institucionais deveriam promover novas contratações no curto e médio prazo, conforme defendido por seus apoiadores no Congresso Nacional. Vejamos novamente o gráfico. A série histórica da taxa de desocupação, pós Reforma Trabalhista, permanece, praticamente, inalterada, repetindo a sazonalidade das contratações de dezembro e demissões de janeiro. A primeira variação abrupta ocorre com a pandemia de Covid-19, por motivos óbvios. Posteriormente, com a chegada da vacina e a retomada das atividades econômicas, a taxa de desemprego começa a cair. Essa tendência de redução é reforçada durante o terceiro mandato do presidente Lula.

"Esses dados são mentirosos. Não indicam a real taxa de desemprego." Sabemos que alguns leitores pensam assim, e por isso procuramos mapear o que a ciência diz a respeito do impacto da reforma trabalhista sobre o desemprego.

O trabalho de Serra, Bottega e Sanches (2022) examina o impacto da Lei 13.467 de 2017 sobre a taxa de desemprego durante os três primeiros meses de sua vigência.  As evidências mostram que a reforma nas leis do trabalho não fez muita diferença na taxa de desemprego, ao contrário do que o governo esperava. O professor Marcelo Manzano, no artigo “Impactos Econômicos da Reforma Trabalhista”, avalia como essa inovação legislativa afetou o mercado de trabalho a partir de cinco indicadores (nível de atividade, taxa de investimento, produtividade do trabalho, comércio exterior e propensão ao consumo). Os resultados indicam que não há evidências de que a reforma trabalhista teve algum impacto positivo na economia brasileira. No original, “as evidências indicam que a redução de direitos do trabalho que resultaram da reforma de 2017 não apenas se mostrou inócua do ponto de vista econômico, como pode estar tornando ainda mais débil o metabolismo do já problemático capitalismo brasileiro” (Manzano, 2017: 75).

Bem, ao que tudo indica, a Reforma Trabalhista não aumentou a quantidade de trabalhadores formais. Institucionalmente, ela reduziu uma quantidade significativa de direitos, permitindo que acordos coletivos prevaleçam sobre a legislação. O fim da contribuição sindical trouxe aos sindicatos um novo panorama econômico, resultando em perda arrecadatória das entidades e um desafio na capacidade mobilizatória e representativa frente às representações patronais. A maior flexibilização dos direitos trabalhistas também trouxe maior insegurança jurídica para a parte mais fraca da relação, o trabalhador.

A defesa da Reforma Trabalhista como promotora da geração de empregos formais encontra nos números a incômoda verdade de seu insucesso. A tentativa de alterar a legislação trabalhista, mais do que precipitada, revelou-se retrógrada, pois não cumpriu o prometido e comprometeu ainda mais a já tensa relação entre o capital e o trabalho.

*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

Sobre os autores:

André Costa, mestre em Ciências Jurídicas Políticas pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor. Advogado. E-mail:andre.lcosta@ufpe.br 

Dalson Figueiredo, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), catalisador do Berkeley Initiative for Transparency in the Social Sciences e visiting scholar na Universidade de Oxford - 2021/2022 - E-mail: dalson.figueiredo@ufpe.br

Diego Leonel, doutorando em Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco. Sócio da Gauss Analítica. E-mail: diego.loliveira@ufpe.br