Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

Na vida, colhemos frutos que não plantamos. Essa ideia é a base do conceito de  interdependência entre gerações, um pacto que implica no investimento em ações no hoje, pensando no amanhã. A percepção recente da crise climática traz a mesa de debates esse aspecto de maneira acentuada, pela colheita de consequências que se materializam a olhos vistos. Mas, para além da agenda ambiental, existe uma outra pauta que se vincula muito a essa lógica intergeracional: a política social.

A proteção social é uma construção que demanda recursos, força de trabalho qualificada, tecnologia e maturação das sociedades. Não comporta improvisos. Carece também de valorização social, pois para ela são feitos sacrifícios coletivos, traduzidos em tributos. Cada avanço ou retrocesso é fruto de ações de décadas, de sacrifícios ou negligências na luta contra os problemas advindos da desigualdade. A política social é o tijolo do futuro.

O futuro frequentemente perde a batalha com o presente, ainda que tenha o passado como aliado. Gritam as dívidas históricas nacionais na Saúde, Educação e Assistência, traduzidas em casos concretos nas manchetes de jornais, em conceitos usuais como o “Nem Nem” e o analfabetismo crônico. O dever de casa de outrora, bem-feito, também ecoa, como no caso de se ter no país um Sistema Único de Saúde-SUS, frente a crise da Covid-19, bem como os avanços na universalização da Educação Básica derivados do desenho do Fundef e do Fundeb.

Essa discussão, quando trazida para a peleja do presente contra o futuro no mundo das políticas públicas, encontra mecanismos valorosos de proteção da questão social, como os percentuais mínimos de aplicação de recursos na saúde e na educação, bem como a existência de planos decenais para a educação e um necessário grau de detalhamento dos direitos sociais na Constituição Federal de 1988. Esses mecanismos são o cimento desses tijolos.

Como vigas, temos programas permanentes, reconhecidos e consolidados, e que transcendem a temporalidade dos processos eleitorais, se apresentando como instrumentos poderosos na construção desse futuro. Programa Nacional de Alimentação Escolar-PNAE, Benefício de Prestação Continuada-BPC, Programa Bolsa Família-PBF, Programa nacional de vacinação, Programa Universidade para Todos-Prouni, entre outros, são ações que atuam em questões estruturais ao longo do tempo e se traduzem em impactos captados não só na frieza dos indicadores, mas também na percepção de uma vida melhor, contada de pai para filho.

Como teto protetor se apresenta todo um sistema de accountability, de pesos e contrapesos, de órgãos como os Tribunais de contas, as controladorias, o Ministério Público e a indispensável participação popular e a transparência, como guardiães de ações no presente e que defendam o futuro do imediatismo, que por vezes se alimenta única e exclusivamente  da volatilidade do processo eleitoral.

Essa constância de recursos, essa implementação inserida no cotidiano do país, demanda uma estrutura de vergalhões de servidores especializados, previsões orçamentárias e compromissos públicos da classe política respaldados pela vontade popular de que é necessário se investir no tijolo do futuro com certo sacrifício no presente, para que o passado mais doloroso fique para trás. Um pacto tão importante como aquele intergeracional da questão ambiental que se faz necessário.

Durante o governo militar, a expressão “O Brasil é o país do futuro” se popularizou, mas a construção do país que se deu nessas décadas priorizou outros tijolos frente a questão social, o que resultou em colheitas amargas diante das crises econômicas da década de 1980, com retrocessos que demoraram décadas para se recompor e que ensejaram uma revalorização pela população da política social nos anos seguintes.

Essa percepção do passado que ensina a construir o futuro não é inédita na história, sendo emblemático o surgimento do conceito do Estado de bem-estar social (Welfare state) após os horrores da Segunda grande guerra mundial, que serviu de base para muito do que se tem hoje em termos de política social. Será preciso uma guerra ou um flagelo para que essa percepção venha à tona novamente? Ou talvez nem isso seja o suficiente para romper a letargia do individualismo atual?

Na angústia da madrugada, assistindo vídeos antigos de retrospectivas de final de ano disponíveis na internet, se vê que em meados da década de 1980, o anseio de uma vida melhor, menos desigual, com mais saúde e educação, surge nas falas da época como desejo coletivo, respaldado na dor sentida de pais, mães e irmãos. Clama por resgate a esperança, como o ideal de uma política social forte, presente e efetiva, e que se vê por vezes imersa nesse mundo com tantas informações e emoções que circulam nos corações e mentes, em um presente superlativizado que distorce o passado e esconde o futuro, e quando o mostra, surge como algo a ser temido e não construído.

*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

Sobre o autor:

Marcus Vinicius de Azevedo Braga, Doutor em Políticas Públicas (UFRJ)