Luiz Fernando Miranda

 

O economista italiano Vito Tazi (1969) certa vez disse, com bastante ironia, que se a corrupção pudesse ser medida, ela provavelmente seria extinta. A frase nos remete, com humor, à nossa incapacidade de medir com precisão o fenômeno, mas podemos ter algumas ferramentas auxiliares. Não podemos medir a corrupção, mas podemos analisar cenários onde ela é menos propícia a surgir, como em países onde a legislação anticorrupção é funcional.

O Brasil, já a partir dos anos 1990, começou a fazer um esforço para construir uma legislação de combate e prevenção à corrupção robusta e compatível com as boas práticas da administração e moralidade pública. Leis como a da Improbidade Administrativa (1992), a de Lavagem de Dinheiro (1998) e a da Ficha Limpa (2010) são bons exemplos desse momento no país. Ainda no ano de 2013 (ano das Jornadas de Junho), o Congresso também aprovou duas importantes legislações: a Lei Anticorrupção (2013) e a Lei de Combate ao Crime Organizado (2013). Em 2014, tivemos a deflagração da Operação Lava Jato, uma das maiores operações anticorrupção que o mundo já assistiu, recheada de escândalos e controvérsias.

A Operação Lava Jato teve números vultosos. Foram 79 fases no total. E também episódios lamentáveis, como quando se descobriram ações coordenadas ilegais entre o principal juiz da operação, Sergio Moro, e um dos coordenadores da força-tarefa, Deltan Dallagnol. Para o bem ou para o mal, a Operação Lava Jato atingiu políticos de todos os espectros, que passaram a desejar vê-la encerrada. Em 2016, o então senador Romero Jucá, em conversa gravada com o ex-diretor da Transpetro, Sérgio Machado, sugeriu "fazer um acordo com o Supremo, com tudo" [1], para acabar com as investigações da operação.

Em trabalho a ser publicado no segundo semestre [2], verifiquei, junto com o cientista político James Vieira (UFPB), que, a partir de 2019, já no governo Bolsonaro, observa-se uma articulação de parlamentares de todas as correntes para criar legislações que se sobrepõem às legislações anticorrupção, anulando seus efeitos. Da primeira legislação anticorrupção – Improbidade Administrativa (1992) – até hoje, foram mais de trinta anos de debates para estruturação de um sistema de integridade capaz de ser um suporte considerável na luta anticorrupção. Uma legislação que foi implementada com muita luta e desgaste político, mas que vem sofrendo sérios reveses nos anos recentes. O que verificamos é a apresentação de novas propostas de lei que desvirtuam e anulam a legislação anterior. A título de exemplo, vale mencionar as reformas na Lei de Abuso de Autoridade (2019), na Lei de Improbidade Administrativa (2021), na Lei de Inelegibilidade Política (Ficha Limpa) (2021), na Lei de Licitações (2021) e na Lei de Lavagem de Dinheiro (2022). Todas essas reformas enfraqueceram os mecanismos legais anticorrupção das legislações originais.

Infelizmente, notícias recentes corroboram nossa análise. Vemos, atualmente, a Câmara dos Deputados tentar diminuir a eficácia dos mecanismos de delação premiada. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, deu início a um debate sobre a proibição de delação premiada por presos. Lira pautou a votação na Câmara, e há uma mobilização para que ela seja votada em regime de urgência [3]. Vale lembrar que o instituto da Delação Premiada foi um dos principais instrumentos usados pela Polícia Federal para investigar casos de corrupção. A proibição de delação por pessoas presas significa, na prática, limitar severamente a capacidade da Polícia Federal de fazer investigações futuras.

A preocupação dos especialistas em combate à corrupção hoje não é pequena. O fato de que é esperado que qualquer político deseje ser menos investigado e prestar menos contas cria um cenário de consenso dentro do parlamento, mesmo em tempos de polarização. Este consenso cria um cenário onde políticos de espectros ideológicos diversos cooperam entre si em detrimento da sociedade.

Notas

[1] El País (2016, maio) “A solução mais fácil era botar o Michel”. Os principais trechos do áudio de Romero Jucá https://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/24/politica/1464058275_603687.html

[2] VIEIRA, James e MIRANDA, Luiz Fernando (2024). When corruption strikes back: how congress reverses anti-corruption reforms in Brazil In: ODILLA, Fernanda e TSIMONIS, Konstantinos (orgs). Corruption and Anticorruption Upside Down: new perspectives from Global South. Londres: Palgrave Macmillan.

[3] Quando um projeto é pautado em regime de urgência, o parlamento tem 45 dias para votá-lo.

*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

Sobre o autor:

Luiz Fernando Miranda é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Pará e membro do conselho deliberativo da Transparência Brasil.