Eleição de Prefeito em São Paulo - 2024: o que nos reserva o segundo turno?
Posted on 2024-10-14José Antonio G. de Pinho
Terminado o 1° turno, vamos agora para o jogo principal. No entanto, vale a pena explorar um pouco mais os resultados deste 1.o turno. Confiando na memória, nenhuma eleição anterior mostrou tanto equilíbrio como esta de 06 de outubro último. Na eleição presidencial de 2022, Lula quase venceu no 1.o turno, no 2.o tornou-se vitorioso com uma margem de votos bem pequena sobre Jair Bolsonaro. Nesta eleição para prefeito, relembrando os resultados, Nunes com 29,48% dos votos válidos, Boulos com 29,07% e Marçal com 28,14%. Em termos absolutos Nunes teve apenas 25 mil votos em relação a Boulos e 81 mil votos em relação a Marçal. Em outras palavras, seria possível à Marçal estar no 2.o turno, contra qualquer um dos dois concorrentes, revelando a extrema fragmentação do voto.
Ainda podemos extrair outras lições desse resultado, de extrema importância para uma reflexão sobre a eleição vindoura. Aparentemente Nunes e Marçal disputavam o mesmo eleitorado, mas isto não é tão verdadeiro assim. Nunes (MDB) vem do Centro, posição para a qual o MDB tem se inclinado. Marçal vem de uma trilha aberta por Bolsonaro dos candidatos ditos antissistema, por falta de uma designação mais correta. Ainda que com uma identificação com Bolsonaro, houve uma recusa de ambas as partes de reconhecer essa convergência. Bolsonaro, porque sentiu que vinha alguém ciscar em seu quintal, até então soberano, e que constituía uma ameaça à sua dominação. Marçal, com uma ambição desmedida, recusa essa identificação por querer partir para voos mais altos, o que inclui até a presidência na eleição de 2026, fora da raia bolsonarista.
Apenas através de uma ligação indireta Nunes se articula com Bolsonaro, o que se dá através do governador Tarcísio de Freitas, mas este também desejando criar luz própria para se descolar de Bolsonaro. Este, por sua vez, manifestou durante a campanha um apoio quase envergonhado a Nunes, pois este está longe de vir da cepa bolsonarista e, também, por não confiar tanto assim no próprio Tarcísio, seu ex-ministro, diga-se de passagem. Sem sombra de dúvida, o projeto Tarcísio também pode passar pela concorrência à presidência, o que colocaria Bolsonaro, inelegível, em condição secundária frente a Tarcísio. Vitorioso Nunes, grande parte do seu sucesso seria atribuída ao governador. Como se percebe o quadro é bastante complexo, estando em jogo muito mais do que a disputa pela cadeira de prefeito.
Do lado do PT/PSOL, o quadro também é complexo, embora de outro teor. O que se assistiu, ao invés do apoio dado a Nunes por Tarcísio, mostrou-se relativamente tímida a participação de Lula no corpo a corpo da campanha de Boulos. O que está em jogo aqui é o medo de ter que assumir a derrota de seu candidato tanto por parte de Lula como de Bolsonaro. Assim, o apoio fica velado por parte do ex-presidente, e explícito, mas não intenso, do lado do atual presidente. Uma derrota em São Paulo, para qualquer um dos dois, poderá ser visto como um atestado de incompetência, falta de liderança. Estamos em 2024, mas o olho já está em 2026.
O resultado de Nunes na primeira rodada ainda admite outra interpretação: surpreende que tenha tido um resultado que pode ser considerado fraco. Basta considerar que ocupava a posição de prefeito, uma exposição na mídia e na propaganda eleitoral gratuita muito amplas e, mais ainda, com o apadrinhamento do governador, o que levava a tiracolo para inauguração de diversas obras pela cidade. Beirando os 30% de votos, viu-se acossado pelos outros dois concorrentes, correndo alto risco de não passar para o 2° turno. A sua votação pode ser interpretada como se nem um terço do eleitorado avaliasse bem sua gestão.
Adentrando agora a rodada final do pleito e publicadas as primeiras pesquisas no início desse segundo turno (Paraná Pesquisas, FESPSP e Datafolha) os resultados confirmaram as expectativas postas ao final do primeiro turno. Como as diferenças são pequenas entre os institutos, vamos concentrar na pesquisa Datafolha por sua longa tradição em pesquisas eleitorais. Nunes recebe 55% das intenções de voto, enquanto Boulos atinge 33%. Outro dado importante apurado pela pesquisa (estimulada) indica que Nunes recebe 84% dos votos de Marçal ficando Boulos apenas com 4%. Dos votos direcionados a Tábata, Boulos abocanha 50% deles enquanto 33% deles vão para Nunes. Esses dados não causam verdadeira surpresa, dada a convergência de estratégia, não de táticas, entre Nunes e Marçal, pertencentes, até certo ponto, ao mesmo campo ideológico e composto em parte significativa pelo voto evangélico. Uma surpresa pode ser localizada refere-se à exígua parcela direcionada a Boulos, deixando nítida a identificação do eleitorado de Nunes e Marçal. Quanto aos votos de Tábata, embora 50% tenham ido para Boulos, causa surpresa o fato de 33% deles se direcionarem à Nunes, o que parece ser possível explicar através da rejeição existente em relação à Boulos, outra variável estratégica. Os votos nulos, em brancos e indecisos chegam a 12%, o que, dada sua permanência serão insuficientes para definir a eleição.
Tratando das taxas de rejeição, a situação é preocupante para o candidato do PSOL que atinge 58% enquanto seu concorrente fica com 37%. Considerando que são tetos, mostra-se hercúlea a tarefa de Boulos que furar esse teto para vislumbrar alguma possibilidade de vitória. Aliás, a reação a esses dados por parte de analistas registram que apenas um “milagre” ou o “sobrenatural” poderiam salvar Boulos. Não exatamente divergindo dessas posições, mas visando alimentar o debate consideramos que, embora a vantagem de Nunes seja bem confortável, isso não indica que seja uma posição cristalizada. Esta eleição tem a particularidade de ser de tiro curto, apenas três semanas de campanha, que certamente serão intensas. Somados todos esses indicadores a tarefa de Boulos mostra-se épica, não resta dúvida, mas muita coisa pode acontecer, até nada, como diz a conhecida frase. O busílis agora se localiza em identificar os pontos fracos do oponente e fazê-los chegar ao público eleitor e este acreditar no que está sendo mostrado e mudar seu voto. Há de se considerar, como dizia Johnny Alf (“Eu e a brisa”, imortalizada na voz de Márcia), que “o inesperado faça uma surpresa”.
Que estratégias de campanha se abrem a Boulos, neste quadro de elevada dificuldade? Embora tenha tido um crescimento lento, porém constante, parece ter atingido seu ponto de saturação carregando a taxa de rejeição sinalizada, que impedem de amealhar votos suficientes para a vitória. Seu padrinho-Mór Lula certamente terá presença mais assertiva em sua campanha, não existe outro caminho, mesmo correndo alto risco de derrota de seu pupilo respingando em seu projeto para 26. Uma vitória, por outro lado, daria um gás extra para a segunda parte do mandato de Lula pela demonstração de sua força política aumentando seu cacife para 2026.
Do lado do bolsonarismo, tem-se um quadro bem diferente. Jair Bolsonaro irá se incorporar à campanha do atual prefeito? Certamente a dupla Nunes/Tarcísio fará um estudo de custo x benefício dessa incorporação. Do outro lado, o capitão fará o mesmo, pois se Nunes vence a refrega, ele não pode vir apenas para a foto da vitória e, se perde, a derrota será em parte imputada a ele, tudo de olho em 26. Na relação, não explícita, entre Nunes e Bolsonaro, parece que um tenta esconder o outro. Aliás, esse não é caso único, mas encontrável em outras cidades, onde candidatos do mesmo campo, procuram negar o apoio de Bolsonaro, como é o caso mais grave de Fortaleza, fato que pode refletir a posição minguante do capitão.
Uma questão que também merece uma reflexão refere-se à transferência de votos de um líder, que comporta uma outra, mais estrutural: até que ponto um/a candidato/a exerce influência sobre seu eleitorado? Em outras palavras, até que ponto o eleitorado segue o seu candidato, derrotado no 1° turno quando este/esta toma sua decisão de apoio? No cenário político brasileiro essa parece ser uma posição um tanto frágil. A não ser que haja uma intestina relação entre a liderança e seus eleitores, um tanto difícil de aceitar na realidade nacional, o eleitor pode ser mais independente e soberano do que se imagina, fazendo também seu cálculo de custo x benefício. Cabe ao eleitorado nesta situação optar pelo voto nulo, em branco, se abster, como em qualquer eleição, acatar a indicação da liderança derrotada ou fazer a escolha por conta própria.
Quanto aos debates pelo que se viu do 1° turno ficaram prejudicados devido ao posicionamento do candidato histriônico. Agora, sem sua presença, pode ser possível finalmente se discutir projetos de governo, valores de cada um dos participantes e seus partidos, sem descalabros. No entanto, não se pode desconsiderar que o candidato Nunes, na condição de ter uma vantagem confortável possa se ausentar deles, como já aconteceu no primeiro debate promovido pelo Grupo Globo nesta primeira semana, com repercussões imponderáveis na imagem do ausente. No entanto, o feitiço pode se virar contra o feiticeiro e causar estragos na imagem de Nunes a serem devidamente explorados por Boulos cravando-lhe os epítetos de fujão, medroso e que tais. Também não deve ser descartada a possibilidade de revelação de um escândalo equivalente à categoria 5 da escala Saffir-Simpson dos furacões, não ficando pedra sobre pedra, mexendo nos corações e mentes do eleitorado. Certamente as próximas pesquisas poderão lançar luz sobre o embate em progresso, sendo um tanto precipitado exarar uma posição sólida neste momento, pois “tudo que é [parece] sólido se desmancha no ar”.
*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.
Sobre o autor:
José Antonio G. de Pinho, Professor Titular Aposentado – Escola de Administração – UFBA. Pesquisador – FGV EAESP.