Cleiva Giglio Muller

 

O Brasil, como muitas democracias ao redor do mundo, enfrenta o grave desafio da disseminação de desinformação. As chamadas fake news não apenas comprometem a lisura dos processos eleitorais, mas também abalam a confiança da população nas instituições democráticas. A manipulação da opinião pública, intensificada pelas redes sociais, tem favorecido o avanço de movimentos populistas e autoritários, que exploram o medo e a frustração para alcançar seus objetivos. Em resposta a esse cenário, diversas iniciativas surgiram no Brasil para combater a desinformação e promover uma educação midiática e política mais abrangente.

Agências de checagem de fatos, como a Agência Lupa, Aos Fatos e Boatos.org, são importantes na verificação de informações e na desmistificação de boatos. Além disso, desde 2019, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) intensificou esforços para enfrentar a desinformação, especialmente após os ataques ocorridos durante as eleições de 2018. O programa conta com parcerias de plataformas digitais, empresas de telefonia, instituições de pesquisa, organizações da sociedade civil e órgãos públicos, ampliando a frente de combate à desinformação.

O Brasil também tem investido em projetos de educação cívica e literacia digital, muitos liderados por organizações não governamentais. O Instituto Palavra Aberta, por exemplo, promove oficinas que ensinam jovens a analisar criticamente as informações e participar ativamente na sociedade. Com o aumento do uso de tecnologias nas escolas, iniciativas alinhadas à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) têm focado no ensino sobre o impacto da desinformação e no uso ético da internet, buscando preparar crianças e adolescentes para um ambiente digital mais seguro.

Outro avanço importante é o Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como "Lei das Fake News". A proposta busca aumentar a transparência nas operações das plataformas digitais, regulando algoritmos e responsabilizando empresas por conteúdos desinformativos. A Coalizão Direitos na Rede tem trabalhado para garantir que essa regulação seja democrática, protegendo a liberdade de expressão e combatendo o monopólio de grandes empresas de tecnologia.

Em outros países, iniciativas interessantes oferecem exemplos para o Brasil. No Canadá, o projeto CivicSpace.tech promove o uso responsável da tecnologia para engajamento cívico. A Declaração Global sobre Integridade da Informação Online propõe práticas para combater a desinformação enquanto respeita os direitos humanos e a diversidade informacional. Na Alemanha, programas como a Civic Education Initiative combinam aprendizado em sala de aula com ferramentas digitais para desenvolver o pensamento crítico dos jovens. Já na União Europeia, o Código de Conduta contra a Desinformação exige que plataformas digitais aumentem a transparência e reduzam a disseminação de conteúdos falsos.

Apesar desses esforços, o alcance das iniciativas ainda é limitado, especialmente entre populações mais vulneráveis, que tendem a ser as mais impactadas pela desinformação. A educação política, nesse contexto, é uma ferramenta essencial. Desde a escola, os jovens devem ser preparados para consumir informações de forma crítica, questionar fontes e analisar discursos políticos. Além disso, é necessário incentivar o debate público e o engajamento em questões cívicas, indo além da simples transmissão de conhecimentos sobre processos eleitorais.

A título de exemplo, pensadores clássicos oferecem reflexões relevantes para o fortalecimento democrático no Brasil. Aristóteles aponta a virtude cívica como base de uma democracia saudável. Joseph Schumpeter, por sua vez, destaca a importância de uma cidadania informada para evitar manipulações. Já Norberto Bobbio reforça que a participação ativa da sociedade é essencial para a vitalidade democrática. No Brasil, onde a desinformação e a alienação política são desafios frequentes, essas ideias ganham especial relevância. Um regime democrático não se constrói apenas com eleições regulares, mas com cidadãos capazes de debater e fiscalizar o poder público.

O combate à desinformação e o fortalecimento da educação política no Brasil são imperativos para uma democracia mais inclusiva, transparente e resiliente. Ampliar as iniciativas de sucesso já implementadas, tanto no Brasil quanto no exterior, pode permitir que um número crescente de cidadãos desenvolva o senso crítico e participe ativamente da vida pública. Somente com uma educação cívica integral será possível enfrentar os desafios contemporâneos e construir uma sociedade mais justa e participativa.

* Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Blog Gestão, Política & Sociedade.

Sobre a autora:

Cleiva Giglio Muller, mestranda em Gestão e Políticas Públicas (MPGPP FGV EAESP). Bacharel em Direito (UNIVEM) e Administração Pública (FGV). Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UNIVEM).