Marcela Arruda

 

Inicio este texto com um convite ao leitor: proponho que faça o breve exercício de refletir sobre o estilo de vida de suas avós. Pense rapidamente em como elas se relacionavam com a alimentação, com a comunidade, a família e a natureza. Embora venhamos de contextos diferentes, determinados aspectos da realidade se impõem e extrapolam exceções. Certamente, a vida de nossas avós remete a uma maior proximidade com a natureza, com a comunidade local e com o mundo real, palpável e direto, ao contrário da nossa vida cada vez mais virtual.

Diante de eventos naturais extremos cada vez mais frequentes como o que testemunhamos com tristeza no Rio Grande do Sul e em diversas partes do mundo, torna-se cada dia mais urgente a discussão de nossa responsabilidade ambiental. Responsabilidade esta que dividimos entre cidadãos, empresas e governos. Embora a pauta tenha sido sequestrada pelos extremos, daqueles que acreditam que há mocinhos e vilões, seja culpando iniciativas que exercem histórica e indispensável contribuição econômica para a sociedade, seja negando a realidade das mudanças climáticas e nosso papel compartilhado nisso, é necessário adotarmos uma postura sóbria e ativa na conscientização e criação de medidas remediativas de uma vez por todas.

A referência às avós não é à toa. Elas vivenciaram o antigo zeitgeist[1] como mulheres, com regras, tarefas e estigmas específicos em um tempo relativamente distante do nosso. Dentre as muitas lições que podemos tirar desta breve reflexão, proponho discutir o papel das mulheres na sustentabilidade.

Minha avó materna preparava o café, o almoço e a janta e, também, era uma empreendedora. Vendia legumes e teve o que hoje chamamos de boteco, servindo refeições rápidas. Nesses processos, quase nada era desembalado; quase tudo, descascado. A comida, famosa “boia”, era enviada nos mesmos recipientes, envoltas em um paninho, nada de sacolas ou embalagens de isopor. As roupas – naquela época - eram lavadas no rio, com um sabão feito em casa, aproveitando a gordura das carnes, útil também para outros fins. Falando de roupas, todas eram costuradas em casa, inclusive o famoso “enxoval”. Aliás, os vestidos das noivas também eram reaproveitados por várias gerações com muito orgulho e sem aquela vergonha que hoje algumas pessoas têm de vestir roupas repetidas. As visitas às pessoas queridas eram feitas normalmente a pé, a cavalo ou de bicicleta. Enfim, uma vida mais lenta, mais simples e mais sustentável.

Antes de prosseguir, ressalto dois pontos importantes. Primeiramente, não reverencio os tempos de opressão feminina, nem os pesados estigmas que nossas avós, bisavós e mulheres de tempos anteriores ao nosso tiveram de enfrentar. Luto veementemente contra todo o tipo de desigualdade. Meu intuito é trazer à memória uma relação mais positiva com o planeta, que nos inspire a viver a sustentabilidade explorando aspectos de uma vida mais simples. Em segundo lugar, também não desprezo, de forma alguma, os avanços da nossa sociedade em termos de tecnologia e crescimento. Afinal, sou uma apaixonada e incentivadora da inovação. Ayn Rand dizia que podemos ignorar a realidade, mas não as consequências de ignorá-la. Os avanços tecnológicos se impõem e não podem ser combatidos, apenas conduzidos de uma forma mais harmônica com a vida humana.

As mulheres de antigamente carregavam consigo a responsabilidade de cuidar do ambiente doméstico. Uma relação um tanto alegórica à nossa com o meio-ambiente. As mitologias reforçam referida tese, tendo diversas deusas como representação da natureza: Ninsun dos sumérios, Pachamama dos incas, Gaia dos gregos, dentre tantas outras. Mulheres têm uma habilidade maior de viver em harmonia com a natureza e, ao mesmo tempo, cuidar dela, talvez não à toa chamem-na Mãe Natureza e não Pai.

A tradição de cuidado e ensino passada de geração em geração muitas vezes recai sobre as mulheres, e é nesse contexto que a verdadeira revolução pode ocorrer. Temos a oportunidade de moldar as mentes jovens, ensinando valores sustentáveis e fundamentais de respeito pela natureza, consumo consciente e responsabilidade ambiental, com práticas simples, como a reciclagem, redução do desperdício e o respeito pelos recursos naturais.

Em tempos adversos, em que a “mãe natureza” parece estar nos cobrando uma postura diferente, o simbolismo das representações mitológicas de divindades femininas como guardiãs da Terra ressoa ainda hoje. É oportuno que aprendamos com a simples, contudo divina, sabedoria de nossas avós. Sim, a sustentabilidade precisa ser plantada como semente para uma futura geração consciente e comprometida com a preservação do planeta.

Nota

[1] Termo em alemão que se refere ao espírito do tempo.

Referência

Rand, Ayn. “The Objectivist Ethics.” 1961. Estados Unidos.

 

*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

 

Sobre a autora:

Marcela Arruda é Mestra em Gestão e Políticas Públicas pela FGV EAESP