Um governador sem partido?
Posted on 2025-08-20Rompimento entre Brandão e Dino redesenha cenário político no Maranhão e agita alianças para sucessão estadual em 2026
Hesaú Rômulo
O governador do Maranhão, Carlos Brandão (PSB) / Crédito: Reprodução
A imprensa especializada já começou a noticiar e passam de uma dúzia as notas de bastidores a respeito do rompimento entre o grupo do governador do Maranhão, Carlos Brandão (PSB), e os políticos ligados ao ministro do STF Flávio Dino, chamados no estado pela alcunha de “dinistas”.
O que antes era tratado como especulações, emergindo através de falas de interlocutores, se tornou público com declarações principalmente do chefe do Executivo. Em entrevista ao site Metrópoles, no último dia 29 de julho, Brandão respondeu a um jornalista sobre o motivo de não ter sido convidado para o casamento de Dino. Os sinais estão em todos os lugares.
As associações entre matrimônio e política são inúmeras, mas aquilo que às vezes cabe em um, não cabe no outro. No caso do Maranhão, a rota de colisão anunciada por muitos finalmente atinge a opinião pública. Não há mais espaço para conciliação entre os dinistas, que alegam ter sido menosprezados pelo Palácio dos Leões e que Brandão descumpriu os acordos firmados em 2022, além de conduzir o governo para rumos diferentes do legado de Dino.
O lado governista acusa os seccionados de conspiração e sabotagem, alegando que Brandão foi um vice disciplinado e que assim deveria sê-lo o atual, Felipe Camarão (PT), expoente do dinismo no Maranhão. A disputa por protagonismo, comum em coalizões subnacionais, é recheada por temperos indigestos, atravessadas por decisões judiciais, por impasses na eleição para o Tribunal de Contas do Estado e até na judicialização de algumas ações do Executivo.
O governador, que até alguns meses atrás evitava abordar o assunto, quebrou o silêncio e passou a se dirigir aos dinistas incisivamente. “Deus está do lado dos bons, e os satanás perseguindo, vão ficar no inferno”, pronunciou do alto de um palanque.
O tom parece áspero, mas não é diferente do que seus interlocutores têm praticado nas últimas semanas. Seu irmão e principal articulador político, Marcus Brandão, já havia erguido a voz para listar o que, na visão palaciana, justifica os atos de traição dos dinistas. Mas o próprio governador agora parece convencido de não deixar a cadeira (para disputar uma vaga praticamente certa no Senado) em 2026 e impedir que Camarão assuma o governo.
No meio de toda essa disputa, um ingrediente ganhou destaque recente. E é justamente um fenômeno político que tenho analisado em pesquisas recentes: a nacionalização das disputas partidárias. O Maranhão nunca foi conhecido por replicar alianças partidárias nacionais nos seus arranjos estaduais. Foi por muitos anos, por assim dizer, um estado rebelde. Isto por algumas razões. Seja pelo poder oligárquico da família Sarney que acabava por se sobrepor aos interesses partidários, seja pela falta de articulação das lideranças locais com as cúpulas nacionais dos partidos.
Este quadro começou a se reconfigurar ironicamente com o governador Carlos Brandão, que precisou sair do PSDB para o PSB para, sob liderança de Dino e Lula, replicar a aliança nacional entre PT e PSB nacionalmente. A pesquisa que realizei (em parceria com a cientista política Ananda Marques) monta um quadro das alianças partidárias no estado ao longo dos últimos 35 anos e mostra que essa nacionalização das disputas, no caso maranhense, tem sido uma exceção, mas que a chegada de Brandão ao poder sinaliza um caminho diferente.
Com todos esses elementos na mesa, na semana passada o governador perdeu o comando do partido. Em um movimento de articulação nacional que envolveu o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o presidente nacional do partido e prefeito do Recife, João Campos, Brandão cedeu lugar à senadora Ana Paula Lobato, ligada ao vice-governador Camarão.
Obviamente esse fato isolado não significa nem uma vitória nem uma derrota definitiva para ambos os lados, mas indica um olhar mais atento para o que tenho dito para os meus alunos e também nas entrevistas que concedi nas últimas semanas: 1) os partidos políticos importam; 2) a institucionalidade dos partidos é decisiva para sua atuação no campo local; 3) a articulação com as cúpulas nacionais é decisiva para a manutenção dos interesses locais.
No Maranhão, ainda prevalece uma mentalidade de enxergar os partidos como estabelecimentos cartoriais, meras formalidades para acesso às urnas. Isto foi, por muito tempo, uma regra. Mas este quadro tem mudado, como apontei há pouco, e os atores que perceberam bem esta reconfiguração são os que conseguiram se adaptar e obter mais vantagens eleitorais dentro daquilo que os partidos podem oferecer.
Subestimar o papel dos partidos políticos é um erro grave e foi a grande lição aprendida pelo governador Brandão, que agora vai precisar migrar e procurar outra legenda. Qual o impacto disso? Alguns aspectos preliminares merecem considerações, pelo menos neste momento. Começo explicando:
O palanque para 2026. Em reeditando-se a aliança PT-PSB, o vice petista Felipe Camarão, outrora considerado carta fora do baralho, ganha força e não pode ser descartado. Muitos interlocutores davam como certa a desistência de Camarão para concorrer a uma vaga na disputa majoritária, mas este último movimento provou o contrário. Camarão nunca foi um quadro histórico do PT, mas sua filiação, assim como a de Brandão, foi estratégica e agora ele tenta mobilizar a força nacional do partido em favor da sua viabilidade eleitoral;
Qualquer candidato de Brandão precisará ajustar o seu discurso fora do palanque de Lula no Maranhão. Brandão e aliados já anunciaram predileção pelo sobrinho do governador, Orleans Brandão, que atualmente comanda uma das pastas do Executivo estadual. Quão decisiva é a presença de Lula apoiando um candidato de Brandão ao governo que não seja do PT e do PSB? Nos meses seguintes, uma pesquisa de opinião pode avaliar bem esses efeitos;
A disputa acirrada entre dinistas e brandonistas coloca o prefeito de São Luís, Eduardo Braide (PSD), numa posição de vantagem para lançar-se a uma candidatura majoritária. Braide foi reeleito com facilidade em 2024 e mostrou que tem uma carreira política em ascensão. Político tradicional de centro-direita, é econômico em falar de futuro, mas os números das pesquisas são sedutores para uma eventual candidatura sua.
Entram nesta equação outras variáveis complicadas que não cabem em uma análise sucinta como esta, mas destaco apenas aquela que para mim é sintomática: o interesse de Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, nas eleições do Maranhão e no acordo com Lula para 2026. É sabido que PT e PSD tem conversado sobre alianças estaduais, olhando principalmente para o Senado, que renovará 2/3 das cadeiras no próximo ano.
Em síntese, o cenário da sucessão ao Executivo maranhense segue indefinido e ganhou episódios inesperados. Deve-se esperar uma reação do Palácio dos Leões aos últimos eventos, haja vista que os planos do governador para a sua sucessão precisarão de rearranjos enormes.
Os dinistas, anteriormente acuados, mostraram um poder de articulação significativo para remover o governador do PSB e pressionar ainda mais a aliança nacional para uma intervenção no estado que os favoreça. Enquanto isso, o prefeito da capital aparece como líder nas pesquisas de intenção de voto e ainda não se manifestou sobre sua candidatura. Em concorrendo para o cargo, Braide precisará montar um palanque e alianças eleitorais para além de São Luís. Deixo a pergunta: quem estará ao seu lado?
Sobre o autor:
Hesaú Rômulo, Cientista político. Doutor em Ciência Política pela UnB e professor de Teoria Política na Universidade Federal do Norte do Tocantins