Romero Maia

Dalson Figueiredo

 

“A economia é uma virtude distributiva

e consiste não em poupar

mas em escolher.”

Edmund Burke

 

Quem deve assumir os riscos e fomentar a transição para uma economia de baixo carbono? Essa é uma das perguntas que rondaram a 28ª Conferência das Partes (COP) que terminou semana passada nos Emirados Árabes Unidos, com a participação de governos que adotaram a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima da ONU. Os bancos foram diretamente convocados a serem “mais rápidos e mais ambiciosos” nos incentivos a empresas sustentáveis. O presidente-executivo do evento frisou que devemos pensar em termos de “trilhões e não mais de bilhões de dólares” se quisermos falar seriamente em mudar a rota do colapso ambiental.

A ideia de que indivíduos respondem a incentivos é  central em Economia. Embora não seja uma relação perfeita, frequentemente observa-se mudanças de comportamento a curto prazo quando os indivíduos percebem um estímulo valioso. É esperado, por um lado, que microcomportamentos possam ser aprimorados através da manipulação do ambiente de escolha das pessoas, uma abordagem de incentivos explorada nos "nudges" de Richard Thaler, vencedor do prêmio Nobel. Para cenários mais complexos, com riscos de tragédias decorrentes de ações coletivas mal coordenadas, Elinor Ostrom, também laureada com o prêmio, apontou a necessidade de criar arranjos institucionais macros e inovadores.

A nova Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC), que entrou em vigor ano passado, avança nessas duas dimensões. Ela obriga os bancos brasileiros a efetivarem o Environmental, Social, and Corporate Governance (ESG) em práticas reais de trabalho dentro do organograma da gestão. No Brasil, todos os bancos são instados a terem uma diretoria especializada a destinar créditos para projetos que atendam aos requisitos do ESG. E para coordenar a demanda geral pelos recursos, o Banco Central publicou uma lista de critérios para os quais os clientes precisam se adequar e serem elegíveis às linhas de financiamento.

É preciso entender bem o papel dos bancos para ponderar sua importância nesse momento de transição para uma bioeconomia sustentada nos três pilares ESG. Bancos são instituições de aceleração da produção e criação monetária, e por isso alavancadores de riquezas através do espalhamento de recursos. Ao fazerem isso, retêm um percentual para si, e remuneram e taxam seus depositantes. Esse atravessamento bancário tem como principal efeito colateral o aumento do nível geral de endividamento da economia.

Os agentes produtivos incialmente beneficiados por esse processo mantêm frequentemente relações entre si e, em caso de crise, são mais passíveis de agirem em bloco para capturarem o Estado como avalista. Este fenômeno foi observado, por exemplo, no movimento da bancada ruralista no Congresso Nacional, que durante o governo anterior, em um contexto de enfraquecimento do debate socioambiental, buscou o perdão das dívidas do Funrural. Tal indulgência resultaria em um déficit financeiro significativo, potencialmente coberto pelo dinheiro dos contribuintes, afetando o sistema de aposentadoria do trabalhador rural. Essa situação se agrava pelo fato de, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o agronegócio, juntamente com as mudanças no uso do solo e florestas, ser responsável por quase 80% da emissão de gases do efeito estufa do Brasil em 2022.

A história poderia ser um pouco diferente se nos critérios para financiamento do Funrural existisse obrigatoriedade de adequação ao padrão ESG. As recentes pressões dos grandes agentes internacionais, começando especialmente por bancos da Europa e Japão que já debatem sobre financiamento verde pelo menos desde o começo deste século, servem como incentivo para retirar do mercado iniciativas irresponsáveis e insolventes. Impedir o avanço da plantação indiscriminada de grãos sobre áreas de florestas protegidas, minimizar as queimadas na Amazônia e reverter o ritmo de extinção de espécies são metas ingênuas se não houver controle sobre o fluxo de inversões para essas atividades. Por outro lado, o momento é oportuno para legitimar exigências institucionais do ESG. Vejamos a série histórica de artigos científicos diretamente relacionados ao tema:

 

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No Brasil, o movimento efetivo do sistema financeiro em prol do modelo ESG só se deu depois da Rio+20, com a Resolução 4.327, no governo da presidente Dilma Rousseff em 2014. É a partir daí que podemos falar plenamente em uma compliance séria no país. Apenas em 2015 foi publicado um documento orientador para a avaliação de adequação de capital, em consonância com a diretriz do Acordo de Paris sobre Mudança do Clima em que o Brasil foi signatário.

Todos os cenários para o Brasil estão na dependência de como será financiada nossa transição energética para uma economia de baixo carbono. É uma transformação lenta. Já temos a cana como fonte de combustível limpo e renovável, e uma grande exposição à energia solar e dos ventos. Mas a emissão de títulos verdes ainda é baixa no Brasil se comparada com o resto do mundo onde algo próximo a 40% dos ativos financeiros estão sob gestão de investimentos que atendem critérios ESG. Isso representa mais de 10 vezes o PIB brasileiro em 2022.

Temos um cenário promissor oriundo da COP 2023. É resultante de pactos que unem pequenas iniciativas e direcionamentos de recursos via autorregulação, como apontava Thaler; ao lado de fortes pressões institucionais sobre um sistema que parece finalmente entender que só existe o curto prazo quando se fala em evitar uma catástrofe global. Não por outra razão, a Europa planeja transformar, já em 2025, quase 60% de todos os ativos de fundos mútuos em ESG. Um incentivo louvável. Todavia, somente uma condição necessária, não suficiente. Eventos extremos já estão em curso e essa ambição incomum do sistema financeiro precisa ter a rapidez do curtíssimo prazo. O futuro ainda é incerto porque depende das escolhas que estão sendo postas em prática no agora.

Sobre os autores:

Romero Maia é presidente do Grupo Executivo da Sustentabilidade, e membro do Comitê Nacional de Contratações e Logística Sustentável do IBGE. Ex-analista ambiental do governo de Pernambuco. Discute dados e pesquisas no ig. @SimpliciDados.

E-mail: romeromaia@gmail.com

Dalson Figueiredo é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco, catalisador do Berkeley Initiative for Transparency in the Social Sciences e visiting scholar na Universidade de Oxford (2021/2022).

E-mail: dalson.figueiredofo@ufpe.br 

 

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