Alexandre de Ávila Gomide

 

No momento em que o governo brasileiro lança uma nova política industrial (o programa Nova Indústria Brasil ou NIB), no qual a inovação desempenha um papel crucial para impulsionar o desenvolvimento produtivo e superar grandes desafios da sociedade, nada mais oportuno do que conhecer o livro How to Make an Entrepreneurial State: Why Innovation Needs Bureaucracy, de R. Kattel, W. Drechsler & E. Karo, publicado no final de 2022 pela Yale University Press.

A inovação é essencial no contexto do NIB para atingir os objetivos das seis missões relacionadas a cadeias agroindustriais, complexo industrial da saúde, infraestrutura, transformação digital, bioeconomia e transição energética.

O livro trabalha o conceito de "burocracias de inovação", ou seja, organizações públicas que promovem a inovação ao criar, financiar, regular mercados e usar compras públicas. Assim, desafia a noção predominante de que inovação e burocracia são um oximoro.

O texto explora as bases históricas e teóricas do papel do Estado em promover a inovação e o desenvolvimento produtivo. Ao adotar uma visão schumpeteriana do conceito, o livro destaca o delicado equilíbrio entre estabilidade e agilidade necessário para que as burocracias públicas apoiem o setor privado e transformem com sucesso os modelos nacionais de desenvolvimento.

O volume percorre uma rica linhagem teórica, incorporando insights de pensadores clássicos como Max Weber e Joseph Schumpeter. Ao aplicar as teorias de Weber, examina a dinâmica das burocracias de inovação, destacando a interação entre autoridades carismáticas e legais-racionais. Surgem, assim, duas categorias ideais-típicas: 'redes carismáticas', enfatizando agilidade e dinamismo, e 'organizações especializadas,' fornecendo estabilidade e resiliência. A partir disso, o livro explora a evolução das burocracias de inovação, revelando oscilação entre esses extremos, e especula sobre o surgimento de organizações que combinam capacidades estatais de longo prazo com novas capacidades dinâmicas de curto prazo: as organizações neo-weberianas. De Schumpeter, o livro diferencia entre Estados empreendedores e rentistas, enfatizando a busca ativa dos primeiros por iniciativas criativas para mudanças estruturais na sociedade, enquanto os Estados rentistas derivam sua existência de riqueza ou recursos naturais já adquiridos.

O livro também aprofunda a discussão do papel do Estado para o desenvolvimento econômico, participando do debate sobre Estados desenvolvimentistas e empreendedores. Contrasta, assim, o foco do Estado desenvolvimentista que se apoia em burocracias weberianas autônomas para implementar políticas industriais em colaboração com o setor privado, com o Estado empreendedor, que prioriza a promoção da inovação para criar novos mercados e enfrentar grandes desafios sociais (como mudanças climáticas e desigualdades sociais), por meio de burocracias dotadas de ‘estabilidade ágil’, isto é,  adaptabilidade e receptividade às mudanças e estabilidade e confiabilidade na prestação de serviços públicos.

Termos críticos, como 'mística da missão', definido como os sistemas de crenças subjacentes na missão de uma organização, e 'hackeamento de burocracia', as maneiras inovadoras de navegar por estruturas burocráticas, são explorados em profundidade ao longo do texto. O livro também rastreia as raízes históricas de conceitos tradicionais como capacidades estatais e capacidades dinâmicas: o primeiro refere-se às competências e recursos específicos de organizações burocráticas para implementar políticas de maneira eficaz, enquanto o último refere-se às habilidades e processos que permitem às organizações se adaptarem e responderem de maneira inovadoras a ambientes e condições de mercado em mudança.

Os autores alertam que a 'estabilidade ágil' desejada para as burocracias de inovação é inatingível por meio das práticas da Nova Gestão Pública (NGP), por esta priorizar excessivamente a agilidade em detrimento da estabilidade, focando no desempenho de curto prazo e negligenciando objetivos de longo prazo. A ênfase do NGP na privatização e terceirização é também criticada por erodir as capacidades estatais de longo prazo.

Organizado em dois conjuntos de capítulos, o livro explora de forma abrangente a relação entre o Estado e a inovação. O primeiro conjunto (capítulos 2-3) oferece uma perspectiva teórico-conceitual, examinando a história, debates e conceitos críticos das burocracias de inovação. O segundo conjunto (capítulos 4-6) aprofunda os aspectos empíricos. Com base em estudos de caso, os capítulos exploram a história das burocracias de inovação ao longo de diferentes décadas e locais geográficos, como EUA, Europa e Ásia. Essa exploração enriquece a compreensão de abordagens organizacionais diversas em contextos culturais e políticos distintos. O capítulo final (capítulo 7) resume os argumentos do livro e oferece uma visão prospectiva do futuro das burocracias de inovação, frente às respostas dadas à pandemia de COVID-19. O capítulo introdutório apresenta o conceito de estabilidade ágil.

Em comparação com outros livros na área, este livro se destaca ao abordar de maneira competente as organizações do setor público para implementar políticas de inovação. Ele oferece uma perspectiva única sobre a importância das burocracias, que desempenham um papel vital na aplicação de políticas orientadas por missões, como pretende a nova política industrial brasileira (NIB). Assim, a obra contribui de forma significativa para os estudos relacionados ao desenvolvimento, gestão pública e políticas de desenvolvimento produtivo, especialmente para a implementação dessas políticas.

O livro também fornece conceitos e tipologias úteis que podem ser aplicados na pesquisa empírica sobre agências de inovação e suas estruturas organizacionais, capacidades e habilidades, como a ABDI, a Finep e a Embrapii, que desempenharão papéis importantes na implementação da nova política industrial, ou a Embrapa e Embraer que desempenharam funções importantes para o desenvolvimento e aplicação de inovações tecnológicas para a agricultura e para a indústria aeroespacial brasileira, respectivamente.

É importante lembrar que a fase de implementação é, frequentemente, o calcanhar de Aquiles de muitas políticas públicas. Conforme os autores "not only does the right innovation policy matter, but it needs to be implemented successfully, meaning it has to be made real" (p. 12). Nesse sentido, o livro poderia abordar com mais profundidade as questões de governança e coordenação entre as organizações públicas na implementação de políticas de inovação. Este, certamente, é um tema importante para a implementação das missões – e um desafio para o programa Nova Indústria Brasil.

Em resumo, as ideias e conceitos apresentados no livro "How to Make an Entrepreneurial State" fornecem informações valiosas para a aplicação de políticas de inovação e desenvolvimento produtivo. Dessa forma, ao enfocar valores como inclusão, equidade e sustentabilidade, e ao desenvolver capacidades e habilidades, fortalecendo o papel das burocracias públicas, o governo brasileiro tem a oportunidade de aprimorar consideravelmente a eficácia na implementação do programa Nova Indústria Brasil.

Sobre o autor:

Alexandre de Ávila Gomide é diretor de Altos Estudos da Enap

 

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