Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

Diante dos inúmeros problemas na implementação da política social nos municípios, inclusive alguns destes, que pela sua gravidade, ganham as páginas da imprensa, existe uma certa visão hegemônica que as causas dessas mazelas perpassam por questões como a corrupção, bem como a falta de recursos, e ainda, carências no sentido da inovação, mitificada nesse sentido.

A complexidade da implementação de uma política de traço social no desenho do federalismo, em um modelo estatuído na Constituição Federal de 1988 que contempla um papel da esfera federal de apoio técnico e financeiro, enfrenta na realidade de municípios implementadores situações desiguais em termos de capacidades estatais, que resultam em  um sem número de problemas, que não podem ser objeto de uma visão reducionista tanto das causas, como das soluções.

E para o aprimoramento da qualidade dessa implementação, para a redução dos problemas, para a tão almejada efetividade que impacta principalmente os mais vulneráveis, existem duas palavrinhas essenciais, e que são muitas vezes esquecidas no debate público sobre a política social descentralizada para os entes subnacionais: o monitoramento e a avaliação (M&A).

O monitoramento é o acompanhamento de pontos específicos do programa, que traduzem o seu desempenho e apontam necessidades de aprimoramento, em uma ação dinâmica que significa muito mais do que painéis disponibilizados ao público, envolvendo a produção de informação qualificada que realimente a política, considerando a dinâmica do processo de implementação e as peculiaridades locais.

A avaliação é uma ação mais densa, estrutural, que se debruça sobre entregas e impactos, dialogando com ajustes no desenho do programa, alguns de caráter profundo, por vezes, e representa não só um instrumento gerencial, mas também acadêmico e de apoio a replicação da experiência em outros governos, fomentando o aprendizado organizacional no âmbito do federalismo.

Infelizmente, a cultura administrativa brasileira não valoriza muito as atividades de monitoramento e de avaliação, confundida as primeiras com atividades de controle governamental e regulação, e as segundas, impregnadas de uma ideia predominante de se avaliar para cortar recursos apenas, consideradas as devidas exceções, esquecidas essas duas palavrinhas de seu papel como promotores da eficácia e da qualidade das políticas públicas, uma ferramenta de promoção de direitos sociais junto ao cidadão, um desafio ainda maior quando se trata da área social e da parceria com municípios.

Essa complexidade desafiadora é derivada da necessidade, em um país desigual e continental como o Brasil, de programas nacionais na área social, que impactem grandes problemas oriundos de déficits antigos, mas que necessitam lidar com as peculiaridades locais, na garantia de direitos de mensuração difícil, pela sua natureza, aliado a assimetria informacional que impede a captação de aspectos essenciais na implementação dessas ações.

Bem verdade que essa dupla de palavrinhas, por vezes, traz diagnósticos reveladores que ensejam sim a redução de desperdícios, mudanças de rumos e ainda, a constatação dos efeitos reduzidos de uma ideia que parecia tão boa no papel e que na prática se vê desastrosa.

Por isso, as ações de monitoramento e avaliação não podem ser autoritárias, sem serem, por outro lado, esvaziadas. Devem mediar as dimensões Top down e Bottom up na construção das políticas públicas, com transparência em todas as etapas, inclusive da metodologia, para que seja objeto de debate público e ainda, de outra prática rara na realidade brasileira, que é a meta avaliação, ou seja, a avaliação da avaliação.

Entes autônomos e com realidades específicas, e que pela proximidade à população, tem no desenho escolhido um papel mais executivo na política social, padecem ao mesmo tempo de dificuldades de implementação, mas também são palco de inovações e práticas de grande qualidade, informações essenciais que o processo de monitoramento e de avaliação pode perceber e replicar.

A política social, como ação do Estado na redução de desigualdades, precisa dessas duas palavrinhas na sua gramática, não apenas como medidas frias de números, mas como um vetor de informação qualificada sobre a implementação e o impacto dessas ações, que circula e recircula, devolvendo diagnósticos não apenas aos formuladores e acadêmicos, mas também para população que usufrui e financia essas políticas, e que espera delas impactos que por vezes só são sentidos na próxima geração, e até lá, pode ser tarde de mais para se ver que certos caminhos eram equivocados.

Sobre o autor:

Marcus Vinicius de Azevedo Braga é Doutor em Políticas Públicas (PPED/IE/UFRJ) e pesquisador do IESC/UFRJ

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