Daniel Matos Caldeira

Gustavo Fernandes

Ana Lúcia Romão

 

Os movimentos no sentido de uma integração europeia mais estreita alteraram o papel dos parlamentos dos Estados-Membros da UE. Com o Tratado de Lisboa, em vigor desde dezembro de 2009, foram introduzidas mais disposições para a cooperação entre o Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais, com vista a garantir um escrutínio democrático e eficaz da legislação europeia em todos os níveis. Nesse ensaio, observamos mais de perto os mecanismos de escrutínio público do Parlamento português e a utilização que faz da informação fornecida pelo Tribunal de Contas de Portugal.

Os parlamentos ocupam uma posição central em democracias robustas. É o caso da Assembleia da República Portuguesa, que emergiu como órgão central do sistema semipresidencialista democrático de Portugal em 1976, dois anos após a Revolução dos Cravos. Este movimento pôs fim a uma ditadura de 48 anos.

No semipresidencialismo português existe um equilíbrio de poder entre o Presidente e o Primeiro-Ministro. É um modelo entre aqueles em que o Presidente tem um papel de apoio, como é o caso da Áustria, e aqueles em que o Presidente é o ator político dominante, como é o caso em França.

No Parlamento português a Comissão de Orçamento e Finanças destaca-se pelos seus poderes de monitoramento e controle da política fiscal-orçamental e das finanças públicas. Essas tarefas incluem o Orçamento Geral do Estado e a Conta Geral do Estado, as relações orçamentais e financeiras com a União Europeia e a avaliação dos relatórios do Tribunal de Contas português.

Para analisar o papel da Comissão de Orçamento e Finanças no que diz respeito ao escrutínio público, centramo-nos em três aspectos: escrutínio ex ante; escrutínio ex post; e transparência e acesso público às ações realizadas pelos responsáveis pelo escrutínio público.

Em relação ao escrutínio ex ante, ressalta-se a necessidade de reforma do processo legislativo orçamental, com a da discussão orçamental em duas fases, espaçando-as ao longo do ciclo legislativo para que haja tempo para qualificar o debate. Adicionalmente, ressalta-se a reconsideração do desenho institucional da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, para salvaguardar o seu funcionamento e independência, com garantias legais para mitigar pressões políticas ou interferências nos seus relatórios.

Em relação ao escrutínio ex post, observamos que o Tribunal de Contas está promovendo uma melhoria no controle dos processos de compliance e assim está efetivamente contribuindo para qualificar tecnicamente o debate político para o escrutínio público do governo pela Assembleia da República.

Em relação à transparência, destacamos que a informação deve estar disponível em termos quantitativos e qualitativos no site oficial da Assembleia. Uma transparência eficaz, em oposição à modelação formalista, que se resume ao mero cumprimento dos requisitos mínimos da lei de acesso à informação.

A democracia portuguesa prepara-se para comemorar 50 anos do 25 de Abril de 1974. Depois de meio século de democracia, a dinâmica do escrutínio parlamentar surge como um vigoroso sistema de controle da atividade do Estado. A discussão e a chancela da Assembleia de Portugal melhoram sem dúvida a qualidade e a boa execução do Orçamento do Estado. O escrutínio público está inequivocamente melhorando as políticas públicas em Portugal. No entanto, ao analisar três aspectos que consideramos cruciais relativamente às atividades de escrutínio público por parte do Parlamento português, fica claro que mais pode ser feito para que o Parlamento português dê o exemplo.

* Esse ensaio é um extrato da discussão explorada em um artigo publicado na Revista do Tribunal de Contas Europeu (ECA Journal), disponível em: Caldeira, D.M., Fernandes, G., & Romão, A.L. (2024). Holding the executive politically to account – the portuguese parliament as a public scrutiny arrangement. ECA Journal, 1(2024), 105-110. https://www.eca.europa.eu/pt/publications/JOURNAL-2024-01

Sobre os autores:

Daniel Matos Caldeira é Doutorando em Administração Pública no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

Gustavo Fernandes é Professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.

Ana Lúcia Romão é Professora Associada do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e Pesquisadora Integrada do Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP-ISCSP).

 

Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

Leia também:

A regulação e o controle de contas

O uso dos instrumentos fiscais pelo Governo Federal no pós-LRF (2001–2022)

A economia política do fundo de participação dos estados: Uma visão histórico-institucional

Uma avaliação da adoção do BSC pelos Tribunais de Contas dos Estados.

Decifrando a esfinge da burocracia subnacional no federalismo brasileiro: O que se esconde por trás dessa realidade?