Débora Dossiatti de Lima

 

No dia 22 de fevereiro deste ano, o então Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, tomava posse como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), assumindo a vaga da ministra Rosa Weber, que se aposentara em setembro do ano passado.

É indiscutível que Dino cumula tanto habilidades políticas quanto jurídicas – requisito subjetivo e objetivo – para assumir uma vaga na mais alta Corte do país. Da leitura dos diversos perfis que foram feitos sobre ele nos últimos anos e que se intensificaram depois de sua indicação ao STF, é perceptível que desde jovem coexistia nele um intelectual vocacionado para a vida política.

Contudo, a foto veiculada do dia de sua posse é, no mínimo, incômoda. Observa-se no registro os 10 (dez) ministros homens, brancos, com idade por volta dos 60 anos. E o Procurador-Geral da República (que é um incômodo à parte e será abordado em outra ocasião).

A única ministra mulher, Cármen Lúcia.

Em seus 133 anos de existência, já passaram pelo STF 171 ministros, sendo que apenas 3 (três) foram mulheres e 3 (três) foram negros.

Ellen Gracie foi a primeira mulher a ser nomeada ministra para o STF, em 2000, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi eleita vice-presidente da Corte em 2004 e presidente para o biênio 2006-2008. A segunda ministra foi Cármen Lúcia, indicada pelo presidente Lula e tendo tomado posse em 2006. Presidiu o STF no biênio de 2016-2018. Por fim, a terceira ministra foi Rosa Weber, indicada pela ex-presidente Dilma Roussef em 2016 e tendo assumido a presidência do STF em 2022.

Pedro Lessa teria sido o primeiro ministro negro a assumir uma vaga no STF (seus votos e manifestações teriam contribuído fortemente para as ciências jurídicas da época, tanto que de suas interpretações da Constituição veio a se construir a teoria brasileira do habeas corpus que resultou no surgimento do mandado de segurança), o segundo ministro foi Hermenegildo de Barros (responsável, na condição de vice-presidente do STF, pela instalação do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, o atual TSE) e, por fim, o ministro Joaquim Barbosa (que ganharia notoriedade devido à condução do caso do Mensalão).

É sintomático em um país cuja maioria da população é formada por mulheres e negros, a sub-representação na Corte que decide sobre os temas que mais afetam a vida da sociedade. E isso sem fazer, ainda, um recorte de classe, o que torna as coisas ainda mais problemáticas.

Segundo a pesquisa “Equidade e representatividade: síntese de evidências sobre a presença de mulheres e pessoas negras em cargos de liderança e autoridade”, iniciativa da Fundação Lemann e do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, em uma síntese dos principais estudos especializados dos últimos 20 (vinte) anos sobre a relação entre diversidade e liderança, tem-se, no setor público, que uma participação mais equitativa das mulheres contribui para: (i) aumentar os investimentos em bens públicos, especialmente nas áreas de saúde e educação; (ii) diminuição da lacuna de gênero na educação; (iii) melhor desempenho econômico; (iv) aumento das taxas de registro de votos entre adolescentes; (v) redução da corrupção e do clientelismo nos postos do poder executivo municipal; (vi) aspirações mais elevadas em termos educacionais e de carreira de mulheres e meninas.

Já a participação mais equitativa de pessoas negras em posições de liderança no setor público contribui para: (i) proposição de leis e políticas públicas dedicadas à inclusão; (ii) maior engajamento político; (iii) aumento relativo na participação da força de trabalho da população negra; (iv) efeito positivo na educação (aumento no número de estudantes do ensino médio que se inscrevem no ENEM) e na representatividade política em nível local; (v) amplia a confiança profissional em jovens negros.

O que tais dados demonstram é: representatividade importa e faz a diferença. Precisamos de instituições mais diversas e que em suas composições consigam agregar múltiplos olhares sobre as questões da nossa sociedade. Quando as pessoas que as compõem mudam, suas estruturas também se modificam.

Sobre a autora: Débora Dossiatti de Lima é Advogada. Doutoranda em Administração na linha de Administração Pública e Políticas Públicas na Universidade de Brasília (PPGA UnB)

*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

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