Reuber da Silva Fonseca

 

Há mudanças no horizonte da administração pública federal, e uma questão surge com elas: qual o futuro dos auditores do Ministério da Educação (MEC), esses profissionais singulares que operam nas entidades vinculadas ao ministério?

 

No universo da administração pública, há uma categoria de profissionais cuja história se assemelha à do Patinho Feio da fábula infantil: os auditores do MEC. Eles, que tradicionalmente desempenham um papel especializado nas universidades e institutos federais poderiam ser reclassificados, passando a integrar um novo cargo generalista. Essa possível mudança suscita uma série de questões, não apenas para os profissionais diretamente envolvidos, mas para a sociedade como um todo.

Reuniões recentes de um Grupo de Trabalho (GT), no âmbito da Comissão Nacional de Supervisão da Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação (CNSCCTAE), com a finalidade de elaborar estudos a fim de subsidiar o aprimoramento do Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação (PCCTAE), instituído pela Lei nº 11.091/2005, revelam o interesse do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (SINASEFE) e da Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (FASUBRA) em uma racionalização dos cargos que compõem este plano, por meio da criação de cargos genéricos que possam ser qualificados em especialidades.

A proposta em discussão visa aglutinar os atuais cargos e níveis em um novo modelo organizado em três cargos genéricos e três níveis de classificação: 1) Cargo: Auxiliar em Educação/ Área Nível: Auxiliar; 2) Cargo: Técnico em Educação/Área Nível: Médio; e 3) Cargo: Analista em Educação/Área Nível: Superior.

Trabalho similar que visa o aprimoramento do PCCTAE, conduzido pela Secretaria de Educação Superior (Sesu) e pela da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) do MEC, com a participação dos Fóruns de Gestores de Pesquisa e Pós-Graduação (Forgeps) das associações nacionais que representa os interesses das Instituições Federais de Ensino (Conif e Andifes), está discutindo a atualização das atribuições de cada cargo que compõem o PCCTAE.

As ações de reestruturação proposta nestas mesas de negociação poderiam oferecer maior flexibilidade na alocação de recursos humanos, possibilitando ajustes mais rápidos às necessidades institucionais. A criação de cargos genéricos, por exemplo, poderia simplificar a gestão de recursos humanos, harmonizando processos e políticas de desenvolvimento profissional dentro das instituições.

No entanto, qual será o efeito desta mudança na autonomia e na capacidade de avaliação desses auditores? Será que, ao integrá-los a um grupo maior, suas habilidades únicas e essenciais serão devidamente reconhecidas e valorizadas?

As respostas oferecidas a estas questões visam garantir a eficácia das medidas em discussão, respeitando, no entanto, as especificidades desta função. Para apresentar a peculiaridade do cargo e da função exercida por estes profissionais recorre-se à metáfora contida na estória infantil do Patinho Feio, criado pelo escritor dinamarquês Hans Christian Andersen.

Era uma vez, em um grande lago governamental, uma família de trabalhadores conhecida como os Técnico-Administrativos em Educação. Entre eles, havia um grupo peculiar, visto por muitos como os "patinhos feios" - os Auditores. Diferentes em suas responsabilidades e atribuições, esses auditores não se encaixavam perfeitamente na família dos técnico-administrativos, não por falta de valor ou vontade, mas por sua singularidade indispensável.

Assim como o patinho da história, os auditores desempenham um papel que vai além do que se vê à primeira vista.

A singularidade do “Patinho Feio”

O cargo de auditor não está relacionado a uma formação específica, mas a uma função constitucional de controle interno, estabelecida em um sistema integrado (art. 74 da CF 88).

O Decreto nº 3.591/2000 ao instituir a criação obrigatória das Unidades de Auditoria Interna (UAIG) nas entidades da Administração Pública Federal indireta e vinculá-las ao Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal, fortaleceu a atuação integrada do controle interno neste Poder, conforme estipulado pelo artigo 74 da Constituição Federal. Estas decisões delinearam as atribuições e atividades específicas do auditor, diferenciando-as substancialmente das funções e atividades exercidas pelos demais cargos do PCCTAE.

A autonomia e a especificidade do cargo de auditor são essenciais para assegurar a eficácia do controle interno. Quais seriam, portanto, os efeitos de uma possível fusão de cargos?

A fusão poderia comprometer a integridade deste sistema, limitando a capacidade de atuação dos auditores conforme exigido por normas nacionais e internacionais. A perda de especificidade poderia enfraquecer o sistema de governança, aumentando o risco de fraude e má gestão.

Especialização profissional

O cargo de auditor requer alto grau de especialização, conhecimento técnico e uma postura ética inabalável. O exercício da auditoria demanda um conhecimento técnico profundo sobre normas contábeis, leis financeiras, procedimentos de auditoria e princípios de governança. Também requer habilidades analíticas avançadas e uma compreensão abrangente dos processos organizacionais.

O auditor tem como principal atribuição a avaliação, assessoria e aconselhamento da alta gestão com o propósito de aumentar e proteger o valor organizacional das instituições pública. Emitindo relatórios de auditoria e pareceres fundamentais no processo de prestação de contas, sua atuação é uma pedra angular na construção de uma gestão pública íntegra e eficaz nas instituições federais. Ele desempenha um papel crucial na manutenção da integridade fiscal e da gestão eficiente, mas o que poderá acontecer com a especialização se o cargo for aglutinado ao grupo mais amplo dos técnico-administrativos em educação?

A incorporação poderia, inadvertidamente, diluir a percepção da especialidade e importância estratégica deste cargo. Tal medida poderia levar a uma percepção diluída da singularidade e da importância estratégica do papel dos auditores. Há o risco de que as habilidades especializadas e a profundidade de conhecimento requeridas para a auditoria não sejam devidamente reconhecidas ou valorizadas. Isso não apenas afeta a objetividade dos auditores em cumprir suas responsabilidades, mas também poderia enfraquecer a estrutura de controle interno como um todo, comprometendo a governança, a transparência e a responsabilidade na gestão dos recursos públicos.

Independência ou “morte”

A independência é um aspecto fundamental para o auditor, pois ele precisa ser objetivo e livre de conflitos de interesse para realizar suas funções de auditoria efetivamente. Este quesito é essencial para garantir que os auditores possam desempenhar suas funções de maneira imparcial, objetiva e livre de influências externas que possam comprometer a integridade do processo de auditoria.

A independência no processo de auditoria assegura que as avaliações sejam baseadas em evidências e não em relações pessoais ou profissionais que possam enviesar os resultados. Um conflito de interesse ocorre quando um auditor, por conta de envolvimento direto em decisões de gestão ou devido a relações próximas com gestores, encontra-se numa posição em que seu julgamento profissional possa ser influenciado por interesses secundários, incluindo interesses pessoais, financeiros ou outros. Em resumo, a independência é um aspecto crucial para os auditores, pois é a base sobre a qual se sustenta a credibilidade, a integridade e a eficácia da atividade de auditoria.

Sendo assim, a proposta de incorporar o cargo de auditor ao cargo de “analista em educação”, como propõem os sindicatos desta categoria, embora possa parecer uma simplificação administrativa salutar, traz consigo preocupações para esta função. O que significa essa mudança potencial para a independência de suas funções?

A proposta de fusão poderia tornar desafiadora a manutenção da separação entre quem exerce ato de gestão e quem avalia tais atos. Tal arranjo poderia criar situações em que os auditores se vejam envolvidos, direta ou indiretamente, em atividades de gestão ou tomada de decisões, aumentando o risco de conflitos de interesse. Consequentemente, isso afetaria a capacidade dos auditores de agir com a imparcialidade necessária, diminuindo a confiabilidade das auditorias realizadas e, por extensão, a confiança nas práticas de governança da organização.

Considerações finais

As discussões nas mesas de negociação em torno da restruturação do PCCTAE, especialmente aquelas que contemplam a criação de cargos genéricos, abrem uma possibilidade interessante de tornar a gestão de recursos humanos mais ágil e adaptável às flutuações nas demandas institucionais. No entanto, esta proposta lança um desafio quando contrastada com a necessária manutenção da independência do auditor interno neste contexto.

Com efeito, a especificidade do cargo de auditor não é uma questão de preferência pessoal dos agentes públicos envolvidos, mas está enraizada em normas infralegais e princípios que orientam a função de controle interno. Essas normas estabelecem as competências, as responsabilidades e as expectativas para o cargo, bem como os padrões éticos e técnicos que devem nortear a auditoria no setor público.

A independência do auditor, por exemplo, é essencial para a eficácia do controle interno e está codificada em regulamentos e diretrizes que transcendem a vontade individual dos servidores. Isso significa que a auditoria deve ser realizada sem interferências que possam comprometer o julgamento profissional, garantindo que as conclusões e recomendações sejam baseadas em evidências e análises objetivas.

Ao considerar alterações na estrutura de cargos técnico-administrativos em educação, é crucial que essas normativas sejam observadas e mantidas. Qualquer proposta de reestruturação deve ser meticulosamente examinada à luz dessas regras infralegais para assegurar que a função e a eficácia do controle interno não sejam enfraquecidas ou postas em risco.

Alguns podem argumentar que a neutralidade das nomenclaturas pode ser vista como uma questão secundária. Porém a criação de um novo cargo genérico impõe a formulação de novas atribuições que devem ser exercidas por todas as especialidades. Deste modo, emergem questionamentos sobre os impactos desta mudança nas atividades exercidas por este grupo de servidores públicos.

É importante ponderar como essa alteração afetará não apenas os auditores do MEC, mas também a qualidade do controle dos recursos na educação. Em um momento em que a transparência e o uso responsável dos fundos públicos são cada vez mais valorizados, é vital que as decisões sobre tais mudanças sejam tomadas com ampla reflexão e discussão.

O que está em jogo é mais do que uma simples mudança de nomenclatura ou de classificação profissional; é a garantia de que os recursos destinados à educação sejam geridos de forma correta e eficaz. Portanto, pode-se argumentar que manter o cargo de auditor, com sua nomenclatura e função claramente definidas, é uma abordagem mais prudente que beneficia não apenas a administração pública, mas também a sociedade, que depende da gestão responsável e do uso eficiente dos recursos públicos.

Caso a decisão seja por compatibilizar a especialidade de auditor dentro de um cargo mais abrangente, será necessário a criação de salvaguardas robustas, políticas claras e uma cultura organizacional que reforce a importância da função de auditoria, garantindo que a integridade desse papel não seja comprometida na nova configuração. A inclusão de outros agentes nas discussões, a exemplo da associação nacional representativa destes profissionais, a UNAMEC, é vital para garantir que as mudanças propostas sejam realistas e reflitam as necessidades práticas da auditoria no ambiente educacional.

Sobre o autor:

Reuber da Silva Fonseca é Doutor em Gestão e Organização do Conhecimento pela Universidade Federal de Minas Gerais, com mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. É Auditor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais.

* Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

 

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