Fernando Freire Dutra

 

O dinâmico crescimento econômico observado nas economias orientais desafia as convicções tradicionais do Ocidente, reformulando a narrativa de sociedades agrárias que evoluem para potências industriais, até mesmo superando as tecnologias americana e europeia. Em contraste com a confiança ocidental nos mercados livres e liberdades civis ilimitadas, os líderes orientais destacam a superioridade de seus sistemas, caracterizados por uma governança autoritária, restrições às liberdades individuais em prol do bem comum e controle central das economias.

Na década de 1960, o notável crescimento econômico do Oriente não apenas impressionou, mas também inquietou os líderes ocidentais. O compromisso explícito do presidente John F. Kennedy em acelerar o crescimento econômico dos Estados Unidos surgiu como resposta. Simultaneamente, análises detalhadas do crescimento comunista revelaram nuances, indicando que as taxas de crescimento eram impulsionadas por um rápido aumento de insumos, como emprego e investimento massivo em capital físico.

Pesquisas econômicas recentes sobre o crescimento na região do Pacífico Asiático evocam paralelos intrigantes com o debate sobre o crescimento soviético. No entanto, é crucial moderar a narrativa entusiasmada sobre o boom asiático, pois seu modelo se revela menos aplicável ao Ocidente do que inicialmente percebido, apresentando perspectivas limitadas.

A análise da União Soviética nas décadas de 1950 e 1960, inicialmente focada em sua força industrial, levou alguns a acreditar que um estado autoritário coletivista poderia superar democracias de mercado livre no crescimento econômico. No entanto, uma reinterpretação ao longo do tempo desafiou a noção de superioridade econômica soviética. A compreensão de que o crescimento soviético era impulsionado principalmente por um rápido aumento de insumos, não eficiência, serviu como um alerta contra suposições econômicas ingênuas.

Mesmo que histórias de sucesso recentes na Ásia pareçam inicialmente distintas da União Soviética, surpreendentemente, há notáveis semelhanças. Em seu artigo, The Myth of Asia's Miracle, Paul Krugman apresenta que o sucesso asiático, assim como o da União Soviética na década de 1950, envolve crescimento rápido por meio da mobilização de recursos, impulsionado por insumos como trabalho e capital, em vez de ganhos de eficiência. Para o autor, o caso de Singapura exemplifica esse modelo, demonstrando crescimento baseado no aumento da população empregada, melhoria nos padrões educacionais e significativo investimento em capital físico, com poucas evidências de aumento substancial de eficiência.

Além disso, ao examinarmos esses paradigmas de crescimento sob a ótica da Fronteira de Possibilidades de Produção (PPF), revela-se que a ênfase na mobilização de recursos nas economias orientais e na União Soviética se traduz em uma expansão da PPF mediante o aumento de insumos. A PPF, enquanto ferramenta conceitual, proporciona uma visão crucial sobre as capacidades produtivas de uma economia, delimitando as combinações possíveis de bens e serviços que podem ser produzidas eficientemente. Nesse contexto, a alocação eficiente de recursos, aliada a ganhos de eficiência, emerge como um elemento vital para a sustentabilidade do crescimento econômico.

Nos casos das economias orientais e da União Soviética, onde o crescimento acelerado foi impulsionado predominantemente pelo aumento maciço de insumos, a PPF reflete essa dinâmica ao registrar um movimento tangencial para fora, denotando uma ampliação das capacidades produtivas resultante do incremento quantitativo nos fatores de produção.No entanto, é crucial notar que essa expansão quantitativa, por si só, não garante a eficiência a longo prazo. A alocação eficiente de recursos e os ganhos de eficiência tornam-se determinantes para a sustentabilidade do crescimento, permitindo que uma economia explore seu potencial máximo e maximize a produção com os recursos disponíveis.

Assim, a interpretação da PPF em conjunto com os modelos econômicos dessas regiões destaca a importância de buscar um equilíbrio entre a mobilização de recursos e a eficiência na alocação para garantir um crescimento econômico sustentável e resiliente ao longo do tempo. Essa análise oferece insights valiosos para os formuladores de políticas e economistas, destacando a necessidade de considerar não apenas o volume de insumos mobilizados, mas também a eficiência na utilização desses insumos para construir bases sólidas para o desenvolvimento econômico de longo prazo.

A ascensão asiática, com seu crescimento baseado na mobilização de recursos, sugere a necessidade de uma abordagem mais cautelosa e realista em relação às expectativas de um mundo economicamente centrado na Ásia.

Sobre o autor:

Fernando Freire Dutra é bacharel em Relações Internacionais, Mestre em Gestão e Políticas Públicas pela FGV EAESP e Mestrando em Política e Negócios Internacionais na Georgetown University. Foi Adido Econômico Adjunto na Embaixada do Brasil em Washington, DC e Diretor de Gestão do Ministério da Economia. Atualmente, é Executivo Senior no Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - BRDE.

*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

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