Emiliano Lobo de Godoi

 

O Brasil possui algumas características peculiares e difíceis de se imaginar em algum país sério. Como explicar para um estrangeiro o termo “urgência urgentíssima” adotado em nosso Congresso Nacional para deliberação de matérias consideradas de relevante interesse nacional. Nossa urgência, como diversas outras coisas, já não era levada a sério e não bastava. Assim, foi criada a “urgência” da “urgência”.

Como explicar para alguém que acaba de chegar ao nosso país que temos tantas prioridades que não sabemos por onde começar, e acabamos não fazendo nada? É muito comum ouvirmos dos governantes que estão elaborando sua lista de prioridades. Como explicar que prioridade não tem plural? Se existem duas prioridades é porque não temos nenhuma.

O que fazer para ignorar que no mesmo país que não tem recursos para pagar professores pode gastar anualmente R$ 31 milhões de reais comprando vestimentas para os parlamentares do Congresso Nacional? Isso ocorre pois são essas as “prioridades” estabelecidas pelos nossos representantes. Adquirir sapatos, ternos, meias, gravatas e outras peças de roupa com dinheiro público

Mas, a criatividade da classe política é ilimitada. Não satisfeitos com isso, fizeram sobrar até para o nosso simpático Jabuti, animal silvestre da fauna brasileira, que, até então, levava sua vida feliz e sem incomodar ninguém. No jargão político, "jabuti" é uma estratégia usada pelos parlamentares para inserir em uma proposta legislativa um outro assunto sem qualquer relação com o texto original. Coitado do jabuti! 

Assim, de maneira maliciosa e rasteira, aprova-se uma proposta que foi escondida dentro de algum projeto de lei qualquer. Da mesma maneira que nosso jabuti silvestre se esconde em sua carapaça para viver, o jabuti legislativo se esconde nos diversos parágrafos das leis para tentar enganar parlamentares desatentos (ou que não leram o projeto), com o intuito de aprovar algo que normalmente não seria aprovado. É a chamada “Emenda Jabuti”. Coitado do Jabuti!

Ao contrário do jabuti silvestre, que está cada vez mais raro, o número de jabutis legislativos não para de crescer. Um exemplo disso é a recém aprovada Lei nº 14.724, de 14/11/23, que cria o importante Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social (PEFPS). Em seu art. 34, essa Lei transforma, de maneira surpreendente, 13.375 cargos vagos efetivos do governo federal em 6.692 cargos efetivos vagos e em 2.243 cargos em comissão e funções de confiança.

Com isso, da noite para o dia, foram criados mais de dois mil empregos para serem livremente nomeados pelo Poder Executivo federal. Coitado do jabuti e de nós que pagamos essa conta!

Sobre o autor:

Emiliano Lobo de Godoi é Professor da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás

*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Gestão, Política & Sociedade.

 

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