Ana Rita Silva Sacramento

Fabiano Maury Raupp

Denise Ribeiro de Almeida

Antonio Almeida Lyrio Neto

Elaine Cristina de Oliveira Menezes

É fato que a educação superior integrou, sucessivamente, o alvo dos contingenciamentos e até mesmo dos cortes de recursos orçamentários promovidos pelo Governo Federal do Brasil nos últimos anos. Não foram poucas as vezes que registramos como a execução dessa política pública tem se tornado cada vez mais desafiadora para os gestores das Universidades. Ainda que essa área seja responsável pelo fornecimento de um dos serviços que, pelo seu caráter de exclusão e rivalidade, não se constitua em bem público puro, assumimos que a intervenção governamental se justifica, pois educação é um bem meritório, cujo consumo produz externalidades que geram benefício social, principalmente em países nos quais a desigualdade social é flagrante, como é o caso do Brasil. Sendo assim, a partir desse breve contexto, pretendeu-se provocar uma reflexão a respeito do que já se pode verificar a partir da execução orçamentária do exercício atual (2023), a fim de responder a seguinte questão: Em termos de dotação orçamentária, como caracterizar o ano de 2023 para as Universidades Federais brasileiras?

Em busca de uma possível resposta para a pergunta formulada, a apresentação dos dados por meio da Tabela 1 mostra-se fundamental, pois contempla os valores recebidos pelas Universidades para o atendimento das suas despesas discricionárias, quais sejam Investimentos e Outras Despesas Correntes, portanto recursos que as mesmas, no contexto de sua autonomia administrativa, podem gerenciar. Para tanto, foram selecionados os valores da dotação atualizada dos últimos dez anos, por se saber que o valor da dotação inicial, constante da Lei Orçamentária Anual, costuma ser alterado por meio de créditos adicionais abertos ou reabertos no decorrer do exercício, deduzidas as anulações/cancelamentos correspondentes. Os valores anuais foram trazidos a valor presente com base no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), cujos percentuais foram obtidos no site do IBGE.

Tabela 1. Dotação Atualizada das Universidades Federais (2014-2023)

Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP) em 19/12/2023.

*o valor pode sofrer alteração, visto que o exercício de 2023 ainda não finalizou.

A partir da análise da Tabela 1, observa-se que mais esforços serão necessários para que se interrompa a política alocativa orientada pela redução de recursos orçamentários destinados às Universidades. Como se vê, no geral, os recursos destinados para as suas despesas discricionárias, reduzidos substancialmente ao longo do período analisado, até tiveram uma leve recomposição registrada em 2023 para Outras Despesas Correntes, mas sequer isso foi constatado - ainda - para os Investimentos.

A nota emitida pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), bem como manifestações de diversos gestores corroboram, de certa forma, esse entendimento quando alegam viverem “desafios para conciliar os recursos financeiros do orçamento com as demandas existentes na administração universitária.” [1]. Segundo a ANDIFES, que admite ter obtido avanços na qualidade do diálogo com o atual governo federal, do valor de R$500 mi adicionais esperado para 2023, até o momento apenas R$150 mi foram repassados. A entidade também destaca em sua nota que a falta de repasses para possibilitar o aumento das bolsas de graduação e pós-graduação "colocaram as Universidades em uma situação crítica no último trimestre do ano, à beira da insustentabilidade".[2].

Mas, se o Natal poderá ser menos bom que a expectativa, já nos parece melhor que os dos anos anteriores, cujas reduções de recursos ainda foram acompanhadas de dificuldades de diálogo entre gestores e governo. Contudo, como é de praxe numa retrospectiva, voltar o olhar para o horizonte, ao considerar o projeto de LOA para 2024, a nota da ANDIFES destaca que a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou proposta de emenda acrescentando R$2,5 bilhões ao orçamento das Universidades Federais, passando a totalizar R$8,5 bilhões [2]. Porém, o Relatório Setorial da Educação do PLOA 2024, aprovado pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional, não confirma tal acréscimo, mas apenas R$14 milhões a mais para as Universidades Federais.

Em face do exposto, e “assim como o ano termina e nasce outra vez”, esperamos que o diálogo entre sociedade e governo possa ser cada vez mais ampliado em vista de uma mudança definitiva da trajetória de redução dos recursos para a da recomposição do orçamento das universidades federais. Deve-se destacar que, no Brasil, conforme o art. 208 da Constituição Federal de 1988, o Estado tem a responsabilidade de garantir "acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um” (Brasil, 1988). Não seria exagero, portanto, afirmar que se essa disposição constitucional, por si só, norteasse a decisão política para a escolha das áreas onde, para se manter as metas fiscais estabelecidas sob controle, possíveis reduções orçamentárias causasse menores prejuízos sociais, a educação superior não estaria em situação tão crítica.

Sobre os autores:

Ana Rita Silva Sacramento é Doutora em Administração (UFBA). Professora Adjunta da EAUFBA. É líder do Observatório de Finanças Públicas (OFiP).

Fabiano Maury Raupp é Doutor em Administração (UFBA). Professor Titular do ESAG/UDESC. É membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP) e do grupo de pesquisa Politeia.

Denise Ribeiro de Almeida é Doutora em Administração (UFBA). Professora Associada da EAUFBA. É vice-líder do Observatório de Finanças Públicas (OFiP).

Antonio Almeida Lyrio Neto é Mestre em Administração (UFBA). Técnico Administrativo da UFBA. Membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP).

Elaine Cristina de Oliveira Menezes é Doutora em Sociologia Política (UFSC). Professora Adjunta da ESAG/UDESC. Membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP).

Notas

[1] Reitor da Ufba diz que baixo orçamento dificulta permanência de estudantes na instituição: “Nosso maior problema”. Disponível em: https://www.metro1.com.br/noticias/radio-metropole/143871,reitor-da-ufba-diz-que-baixo-orcamento-dificulta-permanencia-de-estudantes-na-instituicao-nosso-maior-problema. Acesso em: 19 dez. 2023.

[2] Nota da ANDIFES sobre o orçamento e infraestrutura das universidades federais.

Disponível em: https://noticias.paginas.ufsc.br/files/2023/12/Andifes_nota_15_12_23.pdf. Acesso em: 19 dez. 2023.

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